EM NOME DOS ANIMAIS –

Já faz bastante tempo que os números de circo envolvendo animais foram – ou estão sendo – banidos do rol das atrações circenses. É uma iniciativa importante, incentivada pelas instituições de defesa dos irracionais, que historicamente sempre foram objeto da exploração, por todos os meios, das possibilidades de sua utilização. O progresso e a civilização humana talvez não fossem possíveis sem o concurso, sem a “ajuda” deles. Inúmeros gêneros e espécies, largamente utilizados como animais de carga, fizeram e ainda fazem história como coadjuvantes na atividade industrial e comercial da humanidade. Bois, cavalos, jumentos, os lhamas nos Andes, isolados ou atrelados, suportando e conduzindo pesos muitas vezes acima da sua capacidade, foram sempre os mais submetidos às necessidades do homem, em várias culturas.

Para os artistas dos circos, já começou a redenção. As entidades de proteção têm conseguido incentivar e provocar a proibição dos números que, na beleza da execução, escondiam deslealdades, maus tratos e maldades. A obediência de um elefante, por exemplo, era obtida com o estímulo de bastões agressivos e perfurantes; a submissão do leão ao seu domador é conseguida pelo estalido do chicote com que, no treinamento, é vergastado com medida crueldade; os enormes e festejados ursos sofrem a mesma intimidação, e os irrequietos e versáteis macacos são, também, históricos sofredores.

Mantenho uma severa objeção e não me agrada ver um animal subjugado, seja por qual meio for. Se na adolescência eu cultuava a figura do herói enfeitado, calçando botas reluzentes armadas com opressivas esporas, em sua arreada e submissa montaria, hoje os vejo apenas ridículos e possessivos. Também me incomodam os duelos e competições esportivas, com seus ginetes elegantes, empertigados em cavalgaduras dóceis, obedientes, compelidas para desafiar e vencer inúmeros e difíceis obstáculos. E no sucesso, na vitória, as glórias e os troféus são sempre destinados ao cavaleiro. Embora reconhecendo o valor da tradição cultural, também não gosto de vaquejadas nordestinas e, principalmente, dos famosos rodeios praticados no Sul e no Centro-Oeste. Ambos representam uma arrogante demonstração de domínio do homem sobre o bicho, reforçada pela insensibilidade e até crueldade que caracterizam esses eventos.

Nossa civilização aceita, sem muitas reservas, o abate de alguns animais para consumo humano. Sendo assim, a partir do gado vacum e outros quadrúpedes, aprendemos a utilizar os bichos como alimento, incluindo, na lista, aves e peixes de quase todas as espécies. E em nossa voracidade, esquecemos – ou nem sabemos – que mesmo em épocas mais remotas da nossa história, o homem nunca foi caça para os animais primitivos. Algumas crônicas o descrevem abrigado nas cavernas para fugir do mau tempo e das feras. Eu imagino, porém, que o provável assédio dos bichos ferozes era movido por puro instinto, e o homem, embora não constando como presa natural, desenvolveu as suas armas de ataque e defesa para enfrentar as situações de inevitável conflito.

Não tenho hábito de criar animais domésticos, e, naturalmente, não é por falta de amor ou consideração por eles; é porque eu me reconheço como incompetente para criar, manter com zelo, cuidado e carinho, um animal, por natureza, indefeso. Assim, não quero assumir uma responsabilidade que não teria condição de honrar. Além do que o animal doméstico, mesmo considerado de estimação, ainda assim, está impedido de ser livre. Os pássaros enjaulados em tradicionais e cultivadas gaiolas, causam tristeza, porque sabemos que os bichinhos aprisionados emitem seus maviosos cantos em razão da sua natureza canora, mas também para exprimir sofrimento pela privação da liberdade. Luiz Gonzaga mostrou essas dores na canção Assum Preto; porque os poetas sabem de tudo e também sofrem em nome dos animais.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais

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