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Em nosso tempo, a cidade amplia cada vez mais seus horizontes, integra-se ao mundo, universaliza-se, expande-se desordenadamente, rebela-se contra toda tentativa de ordenação do seu crescimento. Sem, contudo, deixar de ser o habitat do homem moderno, o espaço da vida, da cultura, da arte, do lazer, do desenvolvimento e da civilização.

As cidades são a chave para a compreensão do atual processo de desenvolvimento. O século XX presenciou um processo de franca urbanização em todo o mundo, consagrando como modo de vida dominante a vida citadina. A urbanização quase que total dos espaços habitados pelo homem praticamente anula modos de vida alternativos. Não resta, portanto, dúvidas quanto ao predomínio das cidades no terceiro milênio.

Daí porque a qualidade de vida nas cidades é tema obrigatório dos fóruns internacionais e a preocupação central dos líderes políticos, pelo menos dos que têm uma visão bem informada sobre as tendências em curso.

O Brasil vive perigosamente, e tem encontro marcado com a tragédia todos os anos na estação chuvosa. A natureza não vai amenizar suas explosões de energia; e uma estiagem histórica atinge principalmente o Sudeste. Por que?

Os estudiosos explicam que há uma variação no clima da Terra provocada por um ciclo natural no Oceano Pacífico e no Atlântico. O oceano passa por fases em que está retirando energia da atmosfera e absorvendo-a em suas águas profundas. Isso tem impacto em todo o planeta. Uma zona de alta pressão se forma no Atlântico e impede a entrada das frentes frias, uma espécie de bloqueio atmosférico, impedindo a formação de nuvens de chuva.

Para complicar ainda mais, os modelos da Meteorologia não permitem mais fazer previsões confiáveis. As séries históricas não estão mais valendo. As mudanças climáticas estão alterando todos os padrões. Não adianta mais olhar os valores históricos e imaginar que continuarão a se repetir no futuro. Ninguém sabe quando a seca vai terminar.

Por outro lado, o descaso com a ocupação e destruição de áreas de proteção ambiental, matas, margens de rios e topos de morros; hoje pode ser explicado pelo baixo lucro eleitoral de medidas preventivas e saneadoras.

O governo federal nunca esteve presente antes, nem está presente durante e, provavelmente, não estará depois da tragédia; notadamente quando se trata de regiões habitadas por pobres, sem poder de pressão.

Fiquemos apenas na questão do sistema Cantareira, que abastece São Paulo.

A seca é produto de um conjunto de fatores. Primeiro, o aumento da temperatura associado ao aquecimento global (que, ao contrário do que diz o ministro Aldo Rebelo – é assustadoramente real) gera mais evaporação nos reservatórios.

Para piorar, o descaso permitiu que a região sofresse com a destruição da vegetação natural.

Acreditem, na área do Cantareira, só restam 11% (onze por cento) da cobertura florestal. A água da chuva bate no solo, escorre e evapora; não infiltra no solo para alimentar o lençol freático nem para alimentar as represas e nascentes. Constata-se um déficit de mais de 32 mil hectares de vegetação, protegida por Lei.

O descaso permitiu o desmatamento irregular, tanto nas margens dos rios quanto nos topos dos morros, onde estão as nascentes dos cursos d’água.

Só não vê quem não quer: se a vegetação estivesse lá, não faltaria água.

Tanto que, em Extrema, na mesma região do Cantareira, onde ainda há vegetação nas nascentes, a água já voltou a fluir com as poucas chuvas que caíram.

Uma informação, apenas para comparar: a cidade de Nova Iorque – onde não existe descaso – comprou áreas montanhosas na região dos mananciais próximos. Pagou bem para os fazendeiros da região reflorestarem e preservarem. Hoje, Nova Iorque tem segurança no abastecimento hídrico.

Nem vou citar o exemplo de Israel que, no meio do deserto, tem água em abundância.

Mas, no patropi, o cenário é diferente. O Brasil está – temporariamente – dominado pelo improviso, pelo descompromisso, pelo jeitinho, pela propaganda política enganosa, pelo instituto da reeleição a qualquer preço, pela malandragem e pela corrupção destruidora de valores necessários à construção do futuro com dignidade.

Resumo: a fúria da mãe Natureza, reforçada pelo descompromisso, explica a seca.

Rinaldo Barros é professor – [email protected]

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