DE MISANTROPO A FILANTROPO –

O primeiro livro de Sanderson foi O ritmo da busca, aos 16 anos de idade, seguido por Lances exatos e Fábula, fábula. Jornalista, repórter, cronista, foi o mais novo membro a ser eleito para a Academia Norte-rio-grandense de Letras, com apenas 28 anos de idade, em 1967, mas só tomaria posse dez anos depois.

A orelha do livro – Na direção do relâmpago – é de João Batista Machado que diz ter conhecido Sanderson Negreiros na década de sessenta. A convivência no Diário de Natal e Tribuna do Norte, as passagens telúricas pelos bares da Ribeira e o cais da Tavares de Lira, às margens do Potengi, as conversas molhadas com goles de cerveja ou uísque, incentivaram João Batista à opção pelo jornalismo político, que já rendeu quase uma dezena de livros resgatando a memória política do Rio Grande do Norte. Com a palavra João Batista Machado: consegue perscrutar a alma das pessoas tirando das entranhas mais íntimas o que existe de mais sagrado para a revelação absoluta. O entrevistado, como se estivesse deitado no divã do psicanalista, faz confissões pessoais revelando-se de corpo inteiro.

Albimar Furtado, na apresentação, diz: os personagens que Sanderson escolhe para entrevistar discutem idéias, têm história para contar, muitas vezes pitorescas, e por isso prendem a atenção do leitor.

Diógenes da Cunha Lima, no prefácio: o entrevistador fica seduzindo o entrevistado, induzindo-o à revelação. Entre um e outro, percebe-se afinal uma espécie de cumplicidade, integração, co-autoria. As entrevistas não são frias, são compreendidas, o que não permite automitificação: são confissões. De súbito, surgem acontecimentos e idéias subjacentes. O confidente diz. Os calados falam. As palavras melhores são ditas, polidas, para expressar a verdade de cada um.

Continuemos numa rápida amostragem.

Uma claridade intensa e demorada interrompe a escuridão da noite e revela todo o sertão com as suas pedras inchadas e a seguir um estrondo agita os animais. Oswaldo Lamartine tem a mente dissecada pelo poeta e dá uma aula da anatomia do sertão do seridó, suas falas e seus costumes.Termos como fanado, sobejo, torado, rabugem, berne, espojar-se, arriado, gaitado (rincho), amojadas, bolandeira, açoite, cangapé, aboio, boca da noite, cromo (calendário), goela de serra, moita de mufumbo e animais como preá, mocó, peba, tijuaçu, raposa, ticaca e tatu, bem mostram a sua intimidade com o sertão.

O poeta asperge luz sobre a vida do faroleiro solitário, puxa pela memória de “seu” Dias, João Pereira Dias e esbarra no grande Solonzinho que dá um show de taquipsiquismo, falando de Bach, Beethoven e Brahms; Fondue a bourgnone, strognonoff e bife à Wellington; Bandeira, Drummond, Vinícius, Cecília, Paulo Mendes e João Cabral; Estados Unidos, Portugal, Suécia e Nova Zelândia; Vinho verde, beatnik, hippie e clochard. É pouco?

Risca os céus, nos horizontes longínquos com Vanilda Chaves citando Shakespeare e Heidegger – é preciso transformar o mundo dentro de um novo humanismo – e, last but not least, uma pequena grande entrevista com Dorian Gray em 1958, já pintor, ceramista, poeta, contista, enfim, um raio de cultura.

Este título eu encontrei no discurso de Marco Antonio diante do cadáver de Júlio César na peça de Shakespeare: “Teus olhos sempre estiveram voltados na direção do relâmpago”, finaliza Sanderson Negreiros.

Diante dessa modesta amostra podemos afirmar que o livro é leitura obrigatória. O poeta chateou-se porque eu o chamei de misantropo (antropófobo) – retiro, é um filantropo -, mas, porque nos privou dessa magnífica leitura por tanto tempo? Para que não fiquem só elogios, uma ausência imperdoável, posto que em conversas mis, Sanderson sabia tudo sobre o tonitroante relâmpago, seguido por um cintilante trovão, chamado Rafael Negreiros.

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor – [email protected]
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