CORTE CONSTITUCIONAL E TRIBUBAL SUPREMO –

Na atualidade, muito se fala do nosso Supremo Tribunal Federal, embora os que assim o fazem saibam pouco ou quase nada da real conformação e do funcionamento do dito cujo. É um tribunal badalado – discutido, talvez fosse a palavra mais justa –, sem dúvida.

Mas, deixando de lado as discussões de torcida, uma das coisas mais curiosas acerca do STF é o fato de ser ele, ao mesmo tempo, corte constitucional e tribunal supremo.

Uma corte constitucional é um órgão com feições jurisdicionais, previsto na Constituição, em regra posto à parte do Poder Judiciário, cuja função é analisar/julgar a constitucionalidade de leis e de outros atos dos poderes do Estado, para garantir o devido respeito ao texto constitucional. Fruto do trabalho teórico do austríaco Hans Kelsen (1881-1973), trata-se, nas palavras de Helmut Simon (em “La Jurisdicción Constitucional”, texto constante do “Manual de Derecho Constitucional” organizado por Ernest Benda e publicado pela Marcial Pons Ediciones em 1996), de “uma instância institucionalmente orientada à manutenção e vigência de uma Constituição”. E que, como diz Vitalino Canas (em “Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional”, publicação da Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994), “sejam órgãos específicos de fiscalização da constitucionalidade, ou desempenhem paralelamente outras funções, denominem-se Tribunal Constitucional, Conselho Constitucional, Tribunal de Garantias Constitucionais, Supremo Tribunal Constitucional, Tribunal Superior ou de qualquer outro modo, encontramo-los hoje em todos os continentes”.

Já um tribunal supremo, tomado isoladamente, é o órgão de cúpula, de última instância, de derradeira apelação, do Poder Judiciário de determinado país, destinado a dar a “última palavra” nos diversos conflitos de interesses – cíveis, criminais, administrativos, trabalhistas etc. – surgidos país afora. É algo bastante intuitivo, por sinal, a existência dessa “court of last resort” (como diriam os ingleses), pois toda querela merece ter um fim.

Para exemplificar essa dicotomia Corte Constitucional versus Tribunal Supremo, vejamos o que se dá em alguns países europeus. Portugal tem o seu Tribunal Constitucional, órgão constitucional autônomo que recebe da Lei Fundamental portuguesa tratamento destacado à semelhança do que se dá com a Presidência da República, a Assembleia da República e o Governo. Mas tem também o seu Supremo Tribunal de Justiça, que é a mais alta corte na hierarquia dos órgãos judiciais do país. Ainda na Península Ibérica tem-se o Tribunal Constitucional de España, que foi previsto pela própria Constituição de 1978 como o seu definitivo intérprete. E tem-se o Tribunal Supremo como órgão judicial que se encontra na cúspide do Poder Judiciário espanhol. Mais interessante ainda é o caso da França. Há o Conseil Constitucionnel francês. Mas existem ali duas cortes supremas: o Conseil d’État, a Suprema Corte da Justiça Administrativa francesa; e a Cour de cassation, a Suprema Corte da Justiça Comum francesa. Cada país com a sua mania.

O problema entre nós é: o STF, sob esse aspecto, é um órgão híbrido, uma vez que acumula funções de corte constitucional e de corte suprema. O texto da nossa CF não deixa dúvida quanto a isso. Basta ler alguns trechos: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”. Temos já aíjurisdição constitucional clássica, mas também matéria infraconstitucional criminal (aliás, já se diz estar o nosso STF se consolidando como um tribunal penal). Some-se a isso a competência do STF para fins de recurso extraordinário (inciso III do citado art. 102), com forma de dar a “última” palavra no sistema recursal brasileiro.
Bom, há uma explicação para essa conformação híbrida do STF: o seu modelo histórico é a U.S.

Supreme Court que, como a mais alta instância judicial americana, detém múltiplas competências, entre elas a de fazer cumprir aquilo que está na Constituição do país.

Por fim, se esse formato peculiar do STF é salutar ou não é algo que devemos discutir cientificamente (e não por achismo de torcidas). Afinal, é para isso que serve a ciência jurídica. Assim como é algo para um Poder Constituinte legítimo decidir manter ou alterar. Afinal, é assim que faz em um Estado Democrático de Direito.

 

 

 

 

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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