CONVERSA PRA ENCHER LINGUIÇA –

Gosto muito do bate-papo dos dedos, nas linhas do tempo dos computadores caseiros. Não me refiro àqueles em que o cara provoca, e você acontece estar plugado e as argumentações vão e voltam quase ao mesmo tempo; às vezes, de forma não tão polida ou educada, mas àqueles que passam algum tempo a serem prosseguidos. Os que dão tempo de assuntar a mente e posicioná-la. Tempo pra arrumar vogais, descartar consoantes. De acalmar a alma, o que faz pensar, quando alguém posta Millôr, por exemplo: “O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde”. E um amigo do peito, que conhece bem o tamanho das pedras do meu sapato, ressalta o meu desespero, igual àquele do goleiro na hora do pênalti: “Vai que é tua , Zedelfino !” Morro de medo, mas gosto, assim mesmo.

Começam: concordo, bastam sentir uma dor que logo dizem ai, meu Deus! Penso, reflito, repenso, não respondo, espero. Santo Agostinho me chega, “prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem” (nem tanto, diria eu, mas…). Outro internauta me antecipa: quando Darcy Ribeiro tinha um câncer terminal e fugiu do hospital disse que a única vez que teve inveja na vida foi da própria mãe porque ela acreditava em Deus e na vida após a morte. Continuo pensando, seria? Só que eu não fiquei sabendo o conceito de Deus do Sr. Darcy. E continuam, foi o desabafo de um ateu inconformado com a proximidade da morte. Outros passam a acreditar em Deus quando descobrem que têm uma doença incurável. E uns até dizem, “ são ateus graças a Deus”. Dá vontade de responder, me seguro. Tentaria esclarecer que sou médico, já li Freud (talvez aplicável à essas circunstâncias, quem sabe). Já passei por algo semelhante em duas ocasiões e dei a volta por cima. É que o amor é mais frio que a morte e o medo devora a alma, eu poderia argumentar, de forma vaga e polêmica até, mas sou um dedógrafo lento de merda.

Eu me lembrei da “Anarquia da Fantasia” do Fassbinder onde ele diz que é impossível falar-se do sentido da vida sem que se empreguem palavras erradas e inexatas. Mas não existem outras. Se alguma coisa existe, é o movimento. Não somos livres se não aceitamos a destruição da mesma forma que aceitamos o sistema solar que regulamentado nos paralisa. Prossegue ele, na vida de cada ser existe este momento terrível e maravilhoso, que penetra como um raio na consciência de alguns e como um sacrossanto sofrimento no subconsciente da maioria, o momento em que reconhecemos a finitude da nossa própria existência. O jeito seria estarmos sempre hóspedes das nossas utopias como disse Gabeira em outro contexto, mas aqui até que aplicável. Evitei escrever tudo isso, mais por inabilidade digital e em parte pra não transparecer um falso e internético tom blasé e esnobe.

Corta a minha vez um gozador, deve ser um profissional da datilografia, pobre de mim, e com a devida colocação de reticências nos lugares das palavras-chaves, afirma sem pestanejar que “quem tem cu tem medo”. Perfeito. A verdade é que a literatura está cheia de frases de efeito, algumas com as quais comungo, além desta, como a do padre e poeta John Donne, que a morte de qualquer homem me diminui, porque faço parte integrante da humanidade. Portanto, nunca pergunto por quem os sinos dobram; dobram por mim. Hemingway plagiou isso um pouquinho num livro dele, lembram?

“Millôr era um gênio”, entra no papo Dalton Melo. Verdade, só que este tipo de gente escreve uns dez textos pra aproveitar um. Quanto ao “Ateu, graças a Deus”, está no inconsciente coletivo. Mas quem primeiro o citou foi Bunuel na sua auto biografia “Meu Último Suspiro” em plena saúde e bebendo o seu dry martini todo santo dia. Aliás é recomendação dele para os que levam um dry-martini a sério, ser preciso que o gelo utilizado esteja totalmente congelado, muito duro, para que não solte água. Os verdadeiros aficionados, chegam ao ponto de sustentar que basta um raio de sol atravessar uma garrafa de Noilly-Prat antes de atingir o copo de gim. Deveria, continua ele, assemelhar-se à concepção da Virgem Maria. Sabe-se efetivamente através de São Tomaz de Aquino, que o poder gerador do Espírito Santo atravessou o hímen da Virgem “como um raio de sol passa através de um vidro, sem rompê-lo”. Mas isto me parece um pouco excessivo, finalizo. Tinha tanto pra discutir e não saiu nada. Escrevi apenas, somos imortais, meninos, a Genética está a deixar tudo esclarecido. A gente irá sempre repetir um detalhe nosso, nos outros, sem querer, sem controle consciente algum. Leiam “Resíduos” de Drummond e vocês entenderão tudo com a linguagem mágica dele. O Clero complica muito, é claro, mas tudo é relativo. Cada um sabe de si, de suas dores e das suas angústias existenciais. Nem por time de futebol eu torço.

Racionalizar o imponderável não leve à muita coisa, não. Afinal todos falam, mas só os poetas se entendem. Comparem dois deles. “Ninguém faz o que faz contra a vontade / mesmo que seja bom o que faz”(Santo Agostinho). E o que veio séculos depois lá das barrancas do rio Gavião. Com essa nossa verborréia ímpar e bela, de fato e de direito. “Si eu tivé de vivê obrigado / um dia i antes desse dia eu morro / Deus fez os homi e os bicho tudo forro / Já vi iscrito no livro sagrado / qui a vida nessa terra é uma passage / Cada um leva um fardo pesado / É um insinamento qui derna a mudernage / Eu trago bem dentro do coração guardado” (Elomar). Sou mais ele. Em tudo na vida, o pior cego é o que não lê em Braille. Em tempo, quem iniciou o papo, ficou na dele, só lendo, acredito, numa boa, possivelmente. A gente nem tinha como saber se ele ainda estava on-line.

 

José Delfino – Medico, poeta e músico
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