COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA RUA MOSSORÓ –

A RUA MOSSORÓ

Os terrenos das casas não tinham tamanho e nem forma definidos, onde podíamos plantar o que quisesse, criar galinhas, pombos, coelhos, e, para que se tenha uma ideia, até uma vaca, meu pai chegou a ter no quintal, para tomarmos “leite cru”, antes de ir para o colégio.

Se fosse hoje, ia ser denunciado num desses órgãos que tratam da “sanidade”.

Nossa rua era “de barro”. Não tinha calçamento e nem drenagem. Em dias de chuva corríamos pelas poças de agua e aproveitávamos a correnteza, para brincar com os barquinhos de papel, que construíamos, com as “folhas usadas” dos cadernos da escola.

A fiação elétrica era resumida e até soltar coruja – que hoje chamam de pipa, por conta da influência do turismo – era permitido, embora, vez por outra, uma se enroscasse nos fios, que abandonávamos antes que algum adulto visse.

A CONVIVÊNCIA

Nasci e me criei na rua Mossoró, no trecho situado entre as Avenidas Prudente de Morais e Floriano Peixoto, que foi o meu mundo na infância/juventude.

Época, de muita liberdade.

Todos da rua se conheciam e, boa parte, tinha parentesco.

A intimidade, permitia “tomar emprestado” no vizinho, açúcar, farinha de trigo, ou seja lá o que fosse, para a confecção de um bolo ou outra qualquer “iguaria”.

Não raro, também, querosene para fazer o fogo, porque a “venda”, não estava aberta, ainda.

A “venda, a bodega ou a mercearia”, era o nosso supermercado de hoje.

Papai era “chato” com essa coisa de “tomar emprestado”. Ao contrário, permitia, emprestar, até para os que se esqueciam de pagar.

Ele comprava tudo com exagero.

Como a família era grande, tínhamos um depósito em casa que era uma grande “despensa”, onde se guardavam os mantimentos comprados “no grosso”, ou seja em grandes quantidades.

O açúcar era adquirido em sacas de 60Kg, e a carne de sol em mantas, que eram dependuradas nos arames e esses tinham nas extremidades uma tampa de lata para evitar possíveis acessos dos ratos, comuns, por vivermos em grandes sítios.

A VIZINHANÇA

Hoje, muitas vezes, desconhecemos o vizinho do nosso apartamento, embora as portas, estejam distante poucos centímetros, uma da outra.

Com certeza, diferente de antigamente, quando as casas guardavam razoáveis distâncias, mas conhecíamos todos de todas as famílias, e, até, as suas particularidades.

 

A VIZINHA QUE TOMAVA BANHO NO QUINTAL

Sempre que eu chegava do colégio, por volta do meio dia, gostava de me trepar num grande pé de cajá-manga, que tínhamos no quintal.

“Por acaso”, era nesse horário, que uma das nossas vizinhas, que até miss, foi, tomava banho, para ir para o trabalho.

Como o banheiro ficava fora da casa, era comum que ela saísse do banho enrolada na toalha, e, muitas vezes, nem isso.

Era uma grata coincidência.

O SÃO JOÃO

Mês de São João, era uma alegria só.

Fazíamos a fogueira na “frente da casa”, que era acesa as 6 horas da noite.

A “lenha” era proveniente da poda das arvores do quintal, guardadas para essa oportunidade, e, muitas vezes, como era tempo de inverno e a chuva molhava a madeira, dava um trabalho danado para acender.

As moças, faziam brincadeiras que chamavam de “adivinhação”, para ver as possibilidades de casamentos.

Enterravam facas nas bananeiras, cuja ação do tanino, no metal, formava imagens, que eram interpretadas como letras, e eram associadas a nomes de possíveis pretendentes a “namoro”.

Quando da confecção das canjicas, as filhas pediam as alianças das suas mães e colocavam dentro da panela, sem saber onde elas ficariam, nas “travessas”, após realizado o cozimento.

Quem “tirasse” o pedaço, com a aliança, significava que era a possível “escolhida”, para namoro e futuro casamento.

Junto a fogueira, íamos soltar fogos, e quando se formavam as brasas, assávamos milho verde, cujas espigas, eram escolhidas como as mais tenras, entre as que tinham sido disponibilizadas para a confecção da pamonha e da canjica.

 

ALGUMAS DAS NOSSAS FIGURAS

SEU JOÃO BULHÕES

Nosso vizinho João Bulhões era dono de uma “empresa” de ônibus. Na verdade, uma frota de veículos velhos, que mais tempo passavam parados “na garagem”, para conserto, que nas “linhas” autorizadas pela Prefeitura.

Ele também era proprietário de uma fazenda no município de São Gonçalo, de onde trazia leite de gado “in natura”, para vender.

Por determinação de papai algum de nós tinha que estar no quintal de “Seu João”, antes do leite chegar, pois ele costumava fazer o “batismo”.

De quatro litros ele fazia cinco e até seis.

Exigíamos que ele tirasse diretamente do tambor que chegava da fazenda, pois nos outros ele já colocava um percentual de agua.

Papai brincava com ele sobre o assunto, e, depois de muito negar, “Seu João” dizia que era para não dar “disenteria”, pois o leite era muito forte, uma vez que as vacas já estavam “apartando” e o leite era mais gorduroso.

Por falar na fazenda de Seu João Bulhões, todos os anos, na época da safra de jabuticaba, íamos para lá, nos empanturrar com os frutos, tirados diretamente dos galhos da jabuticabeira, já que eles se desenvolvem agarrados na madeira.

Me lembrei agora da história da avó e das netas, mas não vou contar não.

Qualquer coisa, no particular.

SEU ELIAS

Seu Elias possuía uma “fobica” que era uma “camionete” ano mil novecentos e vinte e qualquer coisa.

Para dar partida no motor, ele usada uma “manivela” ou a “manica”, como era chamada, que girava o virabrequim, provocando o efeito do “motor de arranque”.

Certo dia fomos surpreendidos com a triste notícia de que ele tinha sido acidentado.

Como ele guardava o “carro” no quintal de Aderbal de França, foi para lá que nós corremos, para ver o que aconteceu.

Ao girar a manivela para ligar o motor, como tinha deixado a caminhonete em marcha, o motor “pegou” e ele, não podendo sair da frente, foi imprensado numa árvore, além de ser atingido, na barriga, pelo ferro da manivela.

Lamentamos muito. Seu Elias, era muito reservado, mas era também muito querido de todos.

Ele tinha dois netos, Liege e Wille, que foram para o Rio de Janeiro, e, nunca mais tive notícias deles.

Com Liege, eu namorei, mas ela nunca soube.

SEU LUIZ CABRAL

Quase em frente à nossa casa, morava Seu Luiz Cabral, homem rico e de poucas amizades.

Sobre Seu Luiz Cabral, eu VI algumas particularidades.

Às vezes, a partir da calçada até o seu quintal, estava tudo lotado de “carros de praça”, como eram conhecidos os taxis de antigamente.

Só passei a entender o significado disso, algum tempo depois,

O fato é que, Seu Luiz era agiota e emprestava dinheiro aos motoristas dos “carros de praça”. Como eles não pagavam o “empréstimo”, ele tomava o carro, que era a garantia da transação.

Já adulto, escutei comentários, que Seu Luiz pagou caro, na vida e até depois da sua morte, com base na velha “lei do retorno”.

Uma excentricidade, que eu VI.

Quando do casamento de sua filha Lucy, como existia o “costume” de mostrar o enxoval, uma grande fila se formou diante da “mansão”, para ver as peças que a noiva ia usar.

Nunca esqueci um detalhe: a noiva dispunha de 365 calcinhas. Imaginamos que a justificativa seria: ou usava e jogava fora, ou só ia lavar a “usada”, um ano depois.

JOSÉ EUBER E JOÃO EUDES

Vizinhos de Seu Luiz Cabral, e de frente a nossa casa, moraram, Ednar, José Euber e João Eudes.

O hoje médico, José Euber, de quem sou amigo, era meu colega de colégio.

Entre as brincadeiras da época “lutávamos de espada”, imitando Errol Flynn, que era um “artista de cinema” dos filmes de espadachim, ou “filmes de capa e espada”.

João Eudes, que era inconsequente, certa vez, colocou um prego na ponta da “espada” de madeira e, sem que eu soubesse, estava brincando com ele.

Lá pras tantas, a espada atinge o meu rosto, chegando a cortar o couro da pálpebra. Não fiquei cego “por um triz”, como se dizia.

Pelo corte provocado pelo prego, podia ver, como se fosse por um buraco de fechadura.

Amizade?

A mesma,

A IGREJA DOS PROTESTANTES

Existia, como ainda existe, a igreja dos “protestantes”, onde realizavam os seus “cultos”, e, para isso, tinha um alto falante no topo da fachada, que provocava muito barulho, e desagradava à todos que não praticavam a religião “dos crentes”.

Alguns pedidos foram feitos para diminuir o volume, mas o “pastor” não atendia.

Como sempre tive boa pontaria – lá vai mais uma revelação dos meus segredos –  peguei uma rifle “bala U”, que é o de calibre 22, e, sem meu pai saber, atirei no “alto falante”.

Quando começou o culto, somente se ouvia um som rouco, sem que fosse possível entender o que era falado, e eu, já prevendo que esse seria o resultado, estava bem longe.

Só soube do ocorrido, e, demonstrando muita “surpresa”, ao chegar em casa, depois das brincadeiras da noite.

AS CONVERSAS NO PÉ DO POSTE

Tínhamos, por costume, nos reunir à luz do poste da esquina da Av. Prudente de Morais com a Rua Mossoró, depois que “batíamos” toda a redondeza, inventando que traquinagem fazer.

Um dos nossos divertimentos era “prosear”, na Praça Pedro Velho, com as empregadas domésticas, que eram as “funcionárias das casas de família”, que chamávamos, carinhosamente, de “piniqueiras” ou “pinicas”, e não havia perigo de sermos taxados de preconceituosos, e, muito menos, de cometer assédio sexual.

Vez por outra, rendia alguma coisa, obviamente, “zero oitocentos”, que na época, falávamos, “de graça”.

Mesmo depois que chegamos na idade de namorar, mantínhamos a mania de nos reunir, “lá na esquina”, e, depois do “expediente”, se quisesse matar um de nós era só ir lá.

Diariamente, esperávamos a passagem de Silvio Procópio, que embora tivesse mais idade que a gente, sempre tinha a “piada do dia”.

OS MEGANHAS

Só para não deixar de contar uma passagem engraçada, lembro do fato de que muitos soldados de polícia, que tinham o apelido de “meganha”, passavam pelo nosso ponto de encontro, em direção ao quartel, quando se recolhiam, para dormir.

É importante dizer, que eles detestavam esse apelido.

Certa noite inventamos de “mexer” com eles, e, guardando uma certa distância, começamos a gritar: meganha, meganhaaaa.

Eles pararam, mas desistiram de voltar, pois sabiam que correríamos.

Porém, sem que notássemos, deram a volta no quarteirão e quando vimos, eles já estavam próximos.

Foi carreirão. Mestre Guga, que não percebeu logo, quase foi pego, e passamos vários dias em estado de alerta.

Quando víamos um “meganha”, ainda distante, já “batíamos em retirada”.

O AMANTE QUE CAIU NA FOSSA

Na Rua Mossoró tinha de tudo.

Embora nos meus tempos de jovem, o comportamento feminino fosse mais recatado que hoje, nem todas eram tão recatadas assim.

Uma delas, por sinal de corpo muito bonito, gostava de fazer “caridade”, até onde a prudência permitisse não engravidar.

Certo dia, um meu amigo, que era o “felizardo da vez”, marcou para se encontrar, de noite, no grande quintal da sua casa.

Porém, como não conhecia bem a área, no escuro, caiu dentro da fossa.

Imagine o resultado.

Como ele lê essas besteiras que eu escrevo, vai rir muito, se lembrando do ocorrido.

O SARRO QUE CUSTOU CARO

Também na Rua Mossoró, morava uma figura que era a alegria dos oficiais da aeronáutica.

Nos divertíamos, vendo as cenas de sexo, nos seus namoros.

Um nosso colega de colégio, morador distante, passa pelo nosso reduto, e então, estranhando a sua presença, perguntamos o que ele fazia no pedaço.

Foi quando ele revelou, que estava passando por ali, por ser o caminho da casa da nova namorada, que era a dita cuja, e nós ainda não sabíamos.

Inconvenientes, porem sinceros, como éramos, lhe dissemos que a barra era pesada, e que não seria o ideal para o amigo.

Foi quando ele disse: rapaz, vou ali, só para “tirar um sarro”, que era expressão comum, na época.

O fato é que o namoro foi ficando sério, e ele, com vergonha, não mais passava pelo nosso ponto de encontro, dando uma volta danada, para não olhar na nossa cara.

Resultado: veio a se casar com ela, e o final, eu não vou contar.

Aproveito, para ir ficando por aqui.

 

 

 

 

 

Antonio José Ferreira de Melo – economista [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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