AB adauto

Adauto José de Carvalho Filho

Um alvoroço tomou conta do plenário.

 Todos corriam desnorteados como se, repentinamente, a Polícia Federal adentrasse no recinto. O burburinho era grande e o plenário transformou-se numa Torre de Babel:

– pega, pega.

– eu o quero vivo.

– cuidado para não machucar

– corre.

– segura.

– não deixe escapar

 E de repente, como num cessar fogo da guerra dos “P”, alguém gritou: peguei!

 Surpresos, a turma dos “P” descobriu que era um inocente coelhinho. O que fazer com ele? Discussões, interpelações, apartes, emendas, votações, até que um dos integrantes de um dos “P” mais experiente sugeriu: o plenário não é lugar de coelhinho e o bicho é gostoso demais no espeto. Por que não o comemos?

 O silêncio reinou. Os líderes se reuniram e deliberaram a favor. O plenário ovacionou a idéia e, em pouco tempo, o cozinheiro da casa estava tratando, temperando e assando o pobre coelhinho.

 Todos aguardavam ansiosos com a boca cheia d’agua, quando o cozinheiro anunciou, está pronto! Os dignos membros dos “P” retornaram às discussões. O pedaço maior é para o nosso “P” que é a maior bancada. Outro argumentou o fato de ser representante do governo. A oposição protestou e, por falta de consenso, foram para a votação.

 Um representante de um “P” nanico exigiu que a votação fosse aberta e por maioria simples. O representante do governo protestou. A bancada aliada apoiou e a votação foi secreta. Por uma esmagadora votação decidiram por comer o coelhinho em partes iguais. E assim se fez. Não sobraram nem os ossos. O plenário tinha cumprido (ou comido) a missão.

 De repente, um representante do “P” dos nanicos acordou de sobressalto e, em transe, disse em alto e bom som: era o coelhinho da páscoa. Novo alvoroço. Nova balbúrdia, uma muvuca geral:

– eu não sei de nada.

– eu não comi.

– destesto carne coelho

– quem comeu que assuma.

– nem dente eu tenho.

 E começaram as brigas e discussões sobre o fato. Condenações e absolvições entravam nas falas dos membros da assembléia. A tribuna nunca foi tão concorrida. De repente um dos membros apresentou um projeto descriminalizando a morte por carbonização de qualquer animal, em especial coelhos. Outro foi além e queria incluir a proposta como Emenda Constitucional. Uns falaram em anistia, outros em remissão. Até que um dos membros do “P” mais antigo pediu a palavra e disse: companheiros o problema não está no churrasco de coelho. O problema está no fato da páscoa ser no próximo fim de semana e como vamos justificar para a sociedade que o coelhinho da páscoa foi vitimado por um gostoso churrasco para atender aos nossos paladares.

 Silêncio geral.

 O velho membro continuou. Vamos fazer uma sessão extraordinária para comemorar a páscoa

– e o coelhinho, perguntou outro membro?

Amigos, em política o que importa não é ser, é parecer. Um de nós se fantasiará de coelhinho. Repentinamente todos olharam para um dos membros do “P” nanico, que além do partido era, também, verticalmente prejudicado, um anão, e o convenceram a protagonizar o papel em nome da hegemonia da casa.

 A sessão foi marcada e, pela primeira vez em toda história da casa, todos os membros estavam presentes. Os melhores oradores foram escolhidos para as homenagens e o coelhinho fantasiado distribuiu ovos de chocolate para todos. Jornais, revistas, televisões, entrevistas, tomadas de cenas internas e externas. Tudo como manda o figurino. A festa de Páscoa foi um sucesso.

 Foi uma comoção geral.

O membro fantasiado de coelhinho desempenhou tão bem o seu papel que, depois da sessão, os colegas com o apetite aguçado, olhavam gulosos para o companheiro que, conhecendo-os, correu e rapidamente e tirou a fantasia. Um coelho desprevenido é sempre um risco numa casa de raposas.

 No efusiante plenário um enorme crucifixo, pendia por trás da cadeira do Presidente da casa e uma figura sofrida, crucificada, quebrou o silêncio histórico e pensou: pai perdoa, eles não sabem e que faz! Um enorme raio se fez luz e todos permaneceram em silêncio. Em seguida uma profunda e coletiva depressão. Eles sabiam o que fizeram. Enganar o povo é fácil. O difícil é enganar a Deus.

 Todos se olhavam com cara de tacho, mas, para quem tem coragem de comer o coelhinho da páscoa, um choque de ética é passageiro. Logo alguém gritou, lá vem o Cachoeira. E o plenário entrou novamente em alvoroço. Estava garantida a festa da páscoa de cada um.

Adauto José de Carvalho Filho, AFRFB aposentado, Bacharel em Direito, Contador, Pedagogo, escritor e Poeta

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