A CERCA DE CHICÓ PINHEIRO –
O fazendeiro Francisco Pinheiro Borges, o senhor da Bom Destino, homem simples, de inteligência esperta, surpreendia. Privilegiava os amigos dos seus filhos, conversando, contando histórias e questionando sobre suas próprias decisões. Certa vez, pediu minha opinião, objetei que nós não tínhamos nada para ofertar a ele. Os jovens sabem, ele me disse.
Um dia, entrou no meu Escritório dizendo que queria me contar uma história: “De toda pessoa temos alguma coisa assim, a aprender”. Quando ele se aproximava de alguém não largava mais até que aprendesse alguma coisa. Ele não estava satisfeito com o novo morador, um moreno maduro e forte, chamado Adão. Era um homem lento e tudo que dizia o patrão já sabia. Uma tarde, seu Chicó saiu corrigindo a fazenda e deu com uma cerca no chão, vizinho a casa do morador. Chamou-o para refazer a cerca. E perguntou: “Ô Adão, quem foi que inventou a cerca? ”, “Foi a desunião, seu Chicó! ” Só assim ele pode dar as contas ao novo morador…

Cerca é divisão, constrangimento, isolamento, estabelecimento de distância dos vizinhos, é um muro feito com arame farpado.

Visitei Berlim Oriental, na dominação comunista, cercada de muro e de arame farpado, além de guardas com metralhadoras e cães. Tive a visão cruel das ideologias. Muito depois, li “O Muro”, conto de Jean Paul Sartre. Senti o constrangimento máximo dos três condenados à morte. Sentiu o mesmo os condenados el paredon no início do regime castrista de Cuba?
A tecnologia estabeleceu um novo tipo de relacionamento humano. A internet aproxima pessoas distantes e afasta as próximas. Dediquei o livro “A avó e o disco voador” à internet. É que eu estava de férias em Pirangi e uma sobrinha querida mudara-se para Madri, O pai cursando doutorado. Tomei o propósito de fazer e passar por e-mail um conto infantil diariamente. Trinta dias, trinta contos. A distância nos aproximou mais ainda.
Todo domingo almoçamos juntos em nossa casa ou na casa de um dos filhos, com os netos. De início peço, emprestado, os celulares a cada um. E coloco-os em pilha longe de todos.
Nos tempos atuais, parece haver uma esquizofrenia de chefes de Estado contaminando populações. Eles criam fantasias e buscam impedir a boa intenção social. Fazem uma muralha a seu redor, como se o contato social pudesse prejudicar a solidão que se impôs. O regime de castas separadoras, as indianas que chegam a taxar cidadãos de “impuros”. É planetária a discriminação da cor da pele, como das religiões que discriminam o caminho de se chegar a Deus.
Quando o Papa Francisco soube da sandice do presidente Trump, que mandou fazer um muro separando o seu país do México, ensinou: “Deus quer que construamos pontes e não muros”.
A insegurança urbana deu nascimento aos condomínios horizontais e loteamentos fechados. Muros altos e guaritas protegem os condôminos. Em menos de três décadas o nosso Código Civil (2002) regulou direitos e deveres dos participantes de edilícios (artigos 1331 a 1358). Em verdade, a proteção dos condôminos está apenas nos perímetros murados. Há uma verdadeira bolha habitacional nas cidades.
A humanidade não aprende com o ar que não tem limite e que possibilita a vida. Também não aprende com a dimensão do mar as longas distâncias entre as suas margens.
Um dia, espero em Deus, que a humanidade aprenda que todos somos um. Por isso, a nossa união indissolúvel, abolindo as cercas que são nascidas da desunião.

Diógenes da Cunha LimaAdvogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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