CASA DE PRAIA: UMA VOCAÇÃO –

Sei que a minha esposa, após 54 anos de casados, tem pelo menos duas mágoas comigo: é que, apesar dos seus esforços e intenção, eu nunca gostei de viagens e também nunca me interessei por comprar ou construir uma casa na praia. No primeiro caso, além da visita a outros estados, a serviço da Caixa, logramos fazer duas ou três viagens de lazer, uma quantidade insuficiente para satisfazer os seus anseios e desejos de passeios e turismo.

Eu, sinceramente, sinto por ela. Porém, no caso da praia, defendo que tudo me fez demover da ideia de ter que manter ou utilizar um elemento absorvente e dispendioso, em prejuízo da minha sagrada e confortável rotina. As experiências vividas como convidado para breves estadias ou prolongados feriados nas casas alheias foram bastantes para me afastarem da aventura de  ter que exercer, eu próprio, uma hospitalidade que, mesmo repleta de desprendimento e boa vontade, é carregada de incômodos e desconfortos, principalmente quando o imóvel foi construído à beira-mar. Uma noite prazerosa, romântica e socialmente agradável, à vista de um luar encantador e um suave marulhar das ondas, não são capazes de fazer esquecer um vaivém diário de convidados; o entra-e-sai de adultos e crianças, queimados de sol e corpos areentos, excitados e ávidos por mergulhos e aventuras não comuns ao seu cotidiano, e da ostensiva e constante quebra de regras de circulação e dos comportamentos comuns a qualquer residência.

No último fim de semana, fui convidado para uma dessas visitas. O primeiro alívio foi ver que a casa ficava longe da beira-mar; o outro foi saber que, à minha disposição, foi reservado um quarto equipado com cama espaçosa, chuveiro abundante e ar condicionado. Os anfitriões, exultantes, indicaram-me uma pequena e higiênica piscina, instalada em uma espécie de jardim interno. Educadamente, fiz ver a eles que há muitos anos perdera a vontade de banhar-me em piscinas e outras imersões. Na água do mar, por exemplo, eu, suburbano de “beira-de-praia”, não entro há mais de 40 anos. O imóvel não era grande, mas a organização dos seus móveis e demais elementos domésticos criavam um confortável clima de uma residência normal.

Junto com os amigos que me levaram, desfrutamos de um alegre fim de semana, reforçado por uma peixada carinhosamente preparada pela dona da casa, que passou a maior parte do nosso tempo de estadia a cuidar dos nossos interesses e necessidades. Tivemos uma noite bastante agradável, ao som de divertidas conversas e das músicas que lembramos e cantamos acompanhadas por um violão disposto e generoso. Nossa anfitriã só se juntou ao grupo um pouco mais tarde; talvez depois de livrar-se das tarefas em que tinha se empenhado, zelando pelo nosso bem estar. Alegrei-me ao vê-la esboçar os sorrisos que não tínhamos conseguido ver durante todo o dia.

Houve ocasiões em que amigos e parentes estranharam e me criticaram por não ter uma casa na praia. Aleguei que eu sempre poderia, por desejo ou necessidade, me utilizar das casas de algum amigo ou pessoas da família que, não raro, as colocam à minha disposição. Assim, eu não precisaria de, mesmo que os tivesse, dispender recursos para construir um imóvel que raramente iria me servir. Para um animal urbano, acomodado com o movimento das engrenagens do cotidiano, é difícil assumir esse encargo.  Possuir, manter, reger, ou até ostentar uma casa de praia não é para todo mundo; são necessárias uma entrega e uma dedicação só possíveis se o interessado estiver disposto a pagar o preço da opção. E não é por orgulho e vaidade; é uma questão de vocação.

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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