CARTA A ZÉ NINGUÉM –

Zé,

Sei que você não sabe ler direito e, se aprendeu, não gosta muito de ler, até porque a escola que você frequentou nunca incentivou o hábito em seus primeiros anos de vida. Mas, quero que saiba que existe um livro chamado “Escuta Zé Ninguém” de Wilhelm Reich (1896 a 1957), um psicanalista austríaco-americano, discípulo dissidente de Sigmund Freud.

O livro é, na verdade, um apelo ao inconformismo, uma reflexão sobre o poder de cada zé-ninguém, isto é, de cada anônimo a nada poder, e ter direito apenas a obedecer e conformar-se; mas que, potencialmente, tem o poder de revoltar-se e mudar o caminho da sua era.

Ou seja, o livro de Reich fala sobre o que nós, individualmente, podemos ou não fazer. O livro é ilustrado por uma foto da época do regime nazista na Alemanha, e mostra-nos um homem, um único homem, no meio de milhares de pessoas, a não agir coletivamente, mas a manter-se fiel àquilo em que intimamente acredita, independentemente das consequências.

O homem era August Landmesser e, quando a fotografia foi publicada num jornal em 1991, foi reconhecido pela filha, que certamente se terá sentido orgulhosa ao comprovar que o seu pai, entre milhares, se tinha mantido sempre fiel às suas convicções.

O que me toca profundamente nesta foto emblemática é perceber que sim, sem dúvida alguma, a maioria de nós compactua com a corrupção, com a violência, e outras barbaridades da nossa sociedade, desde que não nos atinja diretamente ou a alguém muito próximo.

Estamos embrenhados apenas no nosso umbigo e na crença de que tudo o que não nos toca, não nos diz respeito. É que a maioria de nós se conforma, levantando o braço ou balançando a cabeça em sinal de acordo, e só uma pequena minoria se manifesta para combater o sistema vigente, por mais inumano que seja.

E por mais que nos custe, no nosso sentido moral de quem vive numa democracia e sem medo, convictos de que nos teriam horrorizado os campos de concentração nazista e os assassinatos em massa, a verdade crua é que maioria de nós teria compactuado com o sistema que todos nós hoje condenamos.

Compactuaríamos, sim, por conformismo ou por medo, sem questionar.

E isto porque a maioria de nós ainda se acha apenas um zé-ninguém, sem importância, sem relevância numérica, e por isso prezando o conforto da segurança pessoal acima de tudo, achando que a revolta e miséria individuais não mudarão nada, e que por isso não vale a pena lutar; e, com medo, escolhe ficar quietinho, escondido no conforto do lar, sem fazer ondas pra não chamar a atenção dos poderosos.

Todavia, Reich ensinou que cada um de nós tem responsabilidade, sim, pelo que se passa à nossa volta e no mundo, e as maiores revoluções foram feita por conjuntos de zés-ninguém, que sozinhos não eram nada, mas que, em conjunto, foram conseguindo mudar as suas realidades, como surpreendentemente se tem visto em alguns países, árabes e europeus, ultimamente.

 August Landmesser era um zé-ninguém igual a você, um zé-ninguém sem esperança de instaurar mudanças, mas ainda assim um zé ninguém que hoje é um símbolo do inconformismo, integridade e resistência ao que se considera profundamente errado, com uma foto reproduzida mundialmente. Tal como você, como todos nós também podemos ser. Basta ter coragem para fazer sempre o que achamos certo, mesmo quando parecer que estamos sós.

Sei que você, Zé, não foi educado para ter coragem. Por isso, você escolhe permanecer com a vidinha medíocre que já conhece, ainda que não goste dela.

Zé Ninguém, eu lhe entendo. Não é que você não deseje a mudança, você a quer. Mas, você tem medo Zé, porque você foi “educado” para não assumir responsabilidades, você foi feito para se conformar.

Escuta Zé, já me despedindo, tenho observado que você, aos poucos, está começando a deixar de ser besta.

Você pode fazer a diferença, Zé. Você é importante e tem poder.

Já somos alguns milhões de almas inconformadas. Não é pouco.

Quem sabe, Zé, nas eleições deste ano, você muda e escolhe o melhor para nosso futuro?

Aceite o meu abraço cheio de esperança, (do verbo “esperançar”).

 

Rinaldo Barros é professor – [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *