AS ÁGUAS DE MARÇO –

À propósito, no dia 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas – ONU instituiu o Dia Mundial da Água, além de promover a Declaração Universal dos Direitos da Água, através da RES/64/292 de Julho de 2010, garantindo por lei o direito ao ser humano de usufruir de saneamento básico e acesso à água limpa e segura.

O calendário que usamos foi uma evolução do antigo calendário romano, e os nomes dos meses utilizados vieram dos deuses.
O nosso calendário, para contagem do tempo, permanece o mesmo, estabelecido pelo imperador romano Júlio César.
Escrevendo a história dos nomes dos meses do ano, é como se estivéssemos assistindo a um desfile dos meses romanos.

JANEIRO e FEVEREIRO DE 2023 já passaram. Estamos em Março, o terceiro mês, considerado o mês das águas.
MARÇO – Nome originado de Marte, o deus da guerra.

No desfile imaginário dos deuses romanos, Marte (Março) passa num carro puxado por dois cavalos, cujos nomes eram Terror e Fuga.
Para os romanos, Marte era mais do que um guerreiro. Era um deus que podia conseguir tudo pela sua grande força. Pediam-lhe chuva, e a chuva vinha.

Atualmente, março de 2023, continuamos ameaçados por um desfile fictício, onde o deus da guerra, Marte, nos ameaça, puxado por cavalos, que representam o ódio, a vingança e a censura. E a força das águas tem destruído vidas no Sul do País.

Falando nas águas do mês de março, ressaltamos a belíssima canção de Antônio Carlos Jobim, “Águas de Março”, uma verdadeira metáfora da imagem da passagem da vida cotidiana, sem interrupção, e sua inevitável progressão rumo à morte – como as chuvas do fim de março, que marcam o final do verão, no sudeste do Brasil.
O tema dessa composição começou a ser trabalhado por Tom Jobim, ao violão, no seu sítio do Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, região Serrana do Rio de Janeiro. De acordo com depoimento de Thereza Hermanny, esposa de Tom à época, a inspiração para “Águas de Março” surgiu ao final de um dia cansativo de trabalho de onde surgiram os primeiros versos “é pau, é pedra, é o fim do caminho”. Assim como quem estava cansado mesmo e querendo descansar.”

No ano anterior à composição de “Águas de Março”, Tom Jobim havia sofrido a única grande perseguição política em sua vida. Em um protesto contra a censura que vigorava durante a ditadura militar no Brasil, Tom Jobim e alguns compositores assinaram um manifesto e se retiraram do Festival Internacional da Canção, da Rede Globo. Doze artistas, entre os quais Tom, foram detidos e, durante algumas horas, interrogados. Segundo declarações posteriores de Chico Buarque, Edu Lobo e Ruy Guerra, um diretor da emissora esteve presente e insistiu para que os compositores voltassem atrás e retornassem ao festival. A pressão não funcionou, mas – na opinião de Chico e Ruy – instigou o aparelho repressivo do regime a enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional. Depois, Tom foi intimado várias vezes a prestar depoimento, chegou a ter o seu telefone grampeado e as suas cartas, violadas. Segundo Tom, a questão foi resolvida “de uma maneira bastante brasileira”, quando um escrivão de polícia solidário o chamou e disse: “Olhe, o senhor não queira se meter com polícia… Isso aqui não é bom. Negócio de polícia não é bom. Vou bater um negócio aqui para o senhor…” E assim, o escrivão bateu à máquina de escrever uma declaração, que Tom assinaria. “Este papel aqui diz que o senhor não teve intenção”.

Para a revista Playboy, em 1988, Tom contou que, à época da criação de “Águas de Março”, o médico lhe disse que iria morrer de cirrose. E ele escreveu: “É um resto de toco, é um pouco sozinho'”.
Em 1992, para o Jornal do Brasil, ele declarou que escreveu “Águas de Março” em um período em que estava numa grande fossa. Parecia que tudo havia acabado para ele, e que não lhe restava nada a fazer. Por isso, se entregava à bebida.

A letra de “Águas de Março” é estruturada em um único verbo (ser), conjugado na terceira pessoa do singular, no presente do indicativo em, praticamente, todos os versos – exceto no refrão, transformado em plural (“São as Águas de Março …”. Há uma constante alternância entre versos considerados otimistas e pessimistas, além do uso de antítese (“vida”, “sol” / “morte”, “noite”), pleonasmo (“vento ventando”), paronomásia (“ponta” / “ponto” / “conto” / “conta”).

“Águas de Março” teve, ao menos, duas grandes fontes de inspiração. Uma é o poema “O Caçador de Esmeraldas”, do poeta parnasiano Olavo Bilac (foi em março, ao findar da chuva, quase à entrada / do outono, quando a terra em sede requeimada / bebera longamente as águas da estação (…)”) Outra é um ponto de macumba, gravado com sucesso por J.B. de Carvalho, do Conjunto Tupi (“É pau, é pedra, é seixo miúdo, roda a baiana por cima de tudo”). A estrutura musical é articulada por um moto perpétuo. Sua letra é estruturada em um único verbo (ser), conjugado na terceira pessoa do singular no presente do indicativo em praticamente todos os versos – exceto no refrão, transformado em plural (“São as Águas de Março (…)”. Há uma constante alternância entre versos considerados otimistas e pessimistas, além do uso de antítese (“vida”, “sol” / “morte”, “noite”), pleonasmo (“vento ventando”), paronomásia (“ponta” / “ponto” / “conto” / “conta”).

A letra se assemelha a um fluxo de consciência, se referindo a seres como pau, pedra, caco de vidro, nó na madeira, peixe, fim do caminho e muitas outros.
A metáfora central das “Águas de março” é tomada como imagem da passagem da vida cotidiana, seu moto contínuo, sua inevitável progressão rumo à morte – como as chuvas do fim de março, que marcam o final do verão no sudeste do Brasil.

A letra aproxima a imagem da “água” a uma “promessa de vida”, símbolo da renovação. É uma profunda reflexão
sobre o sentido da vida.

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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