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MINHA SEGUNDA CHANCE – 

 Mesmo diante de dados estatísticos irrefutáveis dando conta da montanha de sucessos em cirurgias cardíacas, eu ainda considero o êxito obtido por pacientes submetidos a essa complexa experiência operatória, uma segunda chance de vida. E não fica por menos, porque o processo invasivo requer serrar o esterno do indivíduo e arreganhar suas costelas para trabalhar o coração.

Hoje, superados os traumas decorrentes do infarto, eu posso relatar minha provação diante da cirurgia, sem inquietação. E o faço tentando ajudar a quem estiver indeciso quanto a permitir que lhe devassem o tórax, deixando-o assemelhado a um frango com a titela aberta.

Eu enfartei aos 46 anos, uma idade tida como fatal para pessoas acometidas do mal. É lógico que a moça Caetana com a foice da morte na mão não me alcançou, caso contrário eu não descreveria aqui a experiência, e vocês, certamente, estariam lendo um necrológio psicografado por uma alma penada.

Isso aconteceu em 1990. Na época, Natal não dispunha de estrutura nem de profissionais para cirurgias do tipo. Então, recorri ao Incor de São Paulo em busca da cura. Para minha tranquilidade, a angioplastia sanou o problema naquela instância. Dela, guardo apenas a impressão de invasão de minhas artérias por um cabo de velocímetro automotivo.

Não segui o rigor imposto para levar uma vida de samaritano, mas obedeci à rotina dos medicamentos transcritos e dos check-ups estabelecidos. Assim, vivi por 19 anos. Em 2009, numa avaliação tardia do meu quadro clínico recebi o golpe de misericórdia: ainda não era outro infarto, mas o fluxo sanguíneo fora obstruído nas artérias principais, e chegava ao coração por obra e graça de circulação colateral. Ou seja, eu portava uma bomba relógio no peito, e a recomendação era abrir a titela.

Com o destino traçado, recordei declaração do presidente João Figueiredo, após cirurgia cardíaca nos Estados Unidos, em novembro de 1981: “Sinto-me como se uma carreta houvesse me atropelado!”.

Mergulhei fundo na literatura sobre o assunto. Afinal de contas era a minha única e preciosa vida. Descobri, que das inúmeras causas do infarto, o meu fora embasado na antecedência familiar e no estresse elevado. As informações obtidas não me deram a segurança necessária, porque eu não desejava ter a mesma sensação que a carreta deixara em Figueiredo.

Meu irmão Elmano, médico do Hospital do Coração de Natal, sugeriu eu dialogar com o cirurgião para conhecer os meandros do procedimento ao qual me submeteria. Como se não bastasse, a enfermeira-chefe do hospital, a seu pedido, descreveu qual meu sentimento ao recobrar a consciência na UTI. Se a primeira conversa foi ótima, a segunda foi extraordinária.

E assim aconteceu. Ao acordar, superei logo a angustia da imobilização causada por inúmeros drenos espalhados pelo corpo, e a dificuldade de buscar mais oxigênio para os pulmões por conta do respirador na garganta. Naquele momento, lembrei a orientação da enfermeira-chefe para manter a calma.

Ah, ainda tem as pontes! Ganhei duas de safena e duas de mamária. Lembranças inúteis eu as exclui da cachola. No contexto, de engraçado mesmo somente a conversa do cardiologista com o meu irmão, após a cirurgia:

– “Elmano, vocês foram criados com leite de jumenta?”.

– “Não que eu me lembre! Por quê?” – respondeu o mano, e ouviu:

– “Nunca operei alguém de esterno tão duro quanto o de Narcelio. Isso é comum em quem bebeu muito leite de jumenta na infância!”.

Manda brasa irmão e enfrenta o pepino! Afinal, é a sua vida em jogo.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

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Uma resposta

  1. Muito bons, caro colega José Narcélio, esses seus registros dos procedimentos médicos a que teve de se submeter. Vale até como oportuno incentivo para aqueles que têm de passar pelos mesmos cuidados médicos. Grande abraço!

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