JOSÉ NARCELIO

ENGODO DO BEM –  

Um bem intencionado amigo enviou-me um texto afirmando tratar-se de homilia do papa Francisco, proferida no último domingo dia 26 de junho. Estranhei o que li, e resolvi atestar a veracidade do escrito. Não deu outra. Na data aventada Sua Santidade estava no sudeste da Europa, em Tirana, onde centrou o sermão da missa ali celebrada na condenação do genocídio praticado pelos turcos, no começo do século passado, que resultou no extermínio de um milhão de albaneses.

Francisco, o papa argentino, é um homem diferenciado. Dentre outros predicados, ele se destaca pela inteligência brilhante mostrada em seus pronunciamentos e, sobretudo, pelas atitudes destemidas perante assuntos polêmicos da atualidade. O que ele fala ou escreve é motivo de reflexão e repetição. Não usa da pieguice nem lança mão de carolice para evangelizar. Tão grande é sua naturalidade ao se comunicar, que nos passa a impressão de estar num bate-papo entre amigos.

Pois bem, são vários os discursos falsos, atribuídos ao papa, que pululam na internet. O mais recente é exatamente o tal, que o amigo me encaminhou. Até título ele tem: “Nunca desista da felicidade, porque a vida e um incrível espetáculo”. Segundo opiniões diversas, trata-se de trecho do livro “10 Leis Para Ser Feliz” de Augusto Cury – por desconhecer a obra desse autor não posso me posicionar.

Apenas para saciar a curiosidade do leitor, eis alguns dos trechos da suposta homilia: você pode ter defeitos, ser ansioso e viver alguma vez irritado, mas não esqueça que a sua vida é a maior empresa do mundo. E mais: gostaria que lembrasse que ser feliz não é ter o céu sem tempestade, uma estrada sem acidentes, trabalho sem cansaço, relações sem decepções.

E dando sequência aos conselhos: ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista para aqueles que conseguem viajar para dentro de si mesmos. Ser feliz é parar de sentir-se vítima dos problemas e se tornar autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas conseguir achar um oásis no fundo da nossa alma.

O texto admite que ser feliz não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si. É sentir-se seguro ao receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, mimar os pais, viver momentos poéticos com os amigos, mesmo quando nos magoam. É ter maturidade para poder dizer: errei! É ter a coragem de dizer: perdão! É ter a sensibilidade para dizer: eu preciso de você!

E vai mais fundo sugerindo usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Utilizar as perdas para treinar a paciência. Usar os erros para esculpir a serenidade. Utilizar a dor para lapidar o prazer. Utilizar os obstáculos para abrir janelas de inteligência. A conclusão é um conselho incisivo:nunca desista… Nunca renuncie às pessoas que lhes ama. Nunca renuncie à felicidade, pois a vida é um espetáculo incrível.

Realmente, o texto está mais para conteúdo de livros de autoajuda, do que para uma manifestação papal. Bonito ou motivador a matéria atribuída ao Sumo Pontífice não é verdadeira. Nada prejudicial ou comprometedor, sejamos justos, no entanto um engodo. Digamos que seja um… Engodo do bem.

José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil[email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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