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DONA GENILDA –

 Ela faz ponto no semáforo da Avenida Hermes da Fonseca que disciplina o trânsito no entroncamento com a Rua Apodi. Permanece ali das 8h às 11h e das 15h às 17h. Sua atividade é esmolar. Entretanto, longe dela se prestar a isso. Ser chamada de esmoler, jamais! Naquele espaço a idosa pede ajuda a motoristas dotados de comiseração, que aguardam o verde do sinal brilhar para seguir viagem.

O que diferencia Dona Genilda dos demais pedintes é uma bata branca. Vestimenta impecável na brancura e na limpeza, que nos dá a impressão de estarmos diante de um chefe de cozinha ou de um auxiliar de enfermagem. Apenas a impressão, pois o jaleco – como ela gosta de denominar a indumentária – veste apenas uma dona de casa separada do marido. De tanto observar sua persistência buscando auxílio sem proferir qualquer palavra, apenas estendendo a mão num apelo mudo, resolvi conhecer um pouco mais de sua vida.

Genilda nasceu em Santana do Matos, em 1939, portanto, 77 anos atrás. Saiu de lá com sete anos de idade e se casou aos 14. Está separada há 47 anos e hoje mora com o filho mais novo na favela do Japão. Estabeleceu-se naquele entroncamento há 19 anos, e é dali que arrecada o complemento de sua aposentadoria para a sobrevivência de ambos. Ela não dispõe de estatística precisa para definir o número de rodantes dispostos a ajudá-la. Entretanto, recorda com tristeza dias em que estende a mão para 30 motoristas seguidos, sem que um sequer se apiede dela e busque a carteira de cédulas ou remexa no guarda-moedas para um auxílio ao próximo. No começo amealhava de R$ 30 a R$ 40 por cada jornada de cinco horas de estender mãos. Agora, se consegue R$ 15 considera um dia de boa receita.

“Qual a razão para usar jaleco?” – perguntei-lhe. “Foi um homem de óculos que me deu o primeiro, sem explicar a razão. Espere, aí! Está parecendo que foi o senhor. Por favor, não me engane, não brinque comigo!” – insistiu, querendo que eu confirmasse sua desconfiança. Após negativas seguidas de minha parte, ela resolveu continuar a conversa mantendo a dúvida no olhar. “…depois, as pessoas começaram a me presentear com outros jalecos. Ganhei vários, até um cheio de babados!”.

Quando lhe perguntei sobre uma boa lembrança nesses 19 anos de mendicância nas ruas, ela afirmou ter sido as visitas que recebeu, quando se restabelecia de cirurgia na Maternidade Januário Cicco. Isso aconteceu nove anos atrás. A emoção daquele ato de consideração, ainda hoje lhe faz marejar os olhos.

“E uma má recordação?” – pedi-lhe. Apresentou-me duas. A primeira, segundo ela, foi velhacaria de um motorista que tirou um vidro abarrotado de moedas do porta-luvas do carro, derramou uma porção delas na mão e, enquanto ela ansiava receber parte da dinheirama, o dito escolheu dentre todas as moedas uma de cinco centavos e lhe ofereceu de adjutório. Magoada, ela recusou. A outra foi uma provação que jamais esquecerá. Quando se aproximou de um carro com o vidro abaixado, pronta para agradecer por qualquer trocado que viesse, encontrou um sujeito se masturbando ao volante. Não suportou o desacato, e o onanista ouviu poucas, boas e justas ofensas. Até hoje, seu juízo não concebe o porquê daquela nojeira.

Dona Genilda é uma pessoa dócil e inofensiva. De jaleco branco continuará fazendo o seu apelo silente com a mão estendida e o olhar de esperança estampado no rosto. A ajuda que vier, independe dela. Fica a critério de almas boas.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

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