AGORA É TARDE –

A língua portuguesa é muito rica, e possui expressões que remontam a personagens e fatos históricos, absorvidos pela sociedade e que tem se propagado através dos tempos.

Como exemplo, cito a secular expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, hoje inserida na sabedoria popular e em composições brasileiras, como Dona da Casa (Antônio Carlos & Jocafi – 1998). Quase todas as pessoas sabem o seu significado, mas nem todas tem a curiosidade de saber sua origem.

Pois bem. É à Inês de Castro (1323 a 1355), que se refere esse jargão português.

Inês de Castro era a dama de companhia de Constança Manuel, esposa de Pedro I de Portugal, herdeiro da coroa portuguesa. Inês e Pedro I viveram uma grande paixão.

Logo a notícia do romance se espalhou pela corte, causando um grande desconforto à família real. O pai de Pedro I, o rei D. Afonso IV, ordenou o exílio de Inês de Castro no castelo de Albuquerque, na fronteira castelhana.

Mesmo assim, Inês e Pedro I continuaram amantes.

Apesar de casado, o então príncipe Pedro I manteve com Inês uma relação proibida, mas nem tão secreta, que gerou quatro filhos. Depois da morte da esposa oficial, a princesa de Castela Constança Manuel, Dom Pedro I, contrariando o pai, pôs fim ao exílio de Inês e a trouxe para a sua companhia, passando a viver com ela abertamente, o que gerou um escândalo na corte.

Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, conselheiros do rei Afonso IV, o pressionaram, no sentido de adotar uma atitude radical, com vista à execução de Inês. Temia-se pela perda da independência, pois os Castros pertenciam a uma poderosa família galega, que tudo faria para ver no trono um seu familiar. Em face dos argumentos utilizados pelos conselheiros, que exprimiam junto ao rei a vontade popular, D. Afonso IV autorizou a degolação de Inês de Castro, em 7 de Janeiro de 1355, conforme o testemunho documental Chronicon Conimbrigense.

Com a morte de D. Afonso IV, D. Pedro I foi declarado rei de Portugal.

Como autoridade real, declarou que se havia casado clandestinamente com Inês, com quem tivera quatro filhos.

Dessa forma, na condição de rei, D. Pedro I concedeu à falecida Inês de Castro, o título póstumo de rainha de Portugal. E de forma assombrosa, colocou o cadáver putrefato de Inês no trono, pôs uma coroa em sua cabeça e obrigou toda a corte a beijar-lhe a mão.

Mesmo assim, era impossível ao rei, exercer o reinado ao lado de uma rainha morta. Nada mais a traria de volta à vida.

Daí, surgiu a expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, como uma coisa que não tem mais jeito.

O caso se trata de uma tragédia, história de final macabro, tal qual Romeu e Julieta, de William Shakespeare, com a diferença de que foi uma história real, que teve como palco as cidades de Coimbra e Alcobaça, em Portugal, enquanto Romeu e Julieta se trata de uma ficção.

O episódio ocupa as estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas, de Luís de Camões, publicado em 12 de março de 1572. O poema relata o assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de Borgonha, pai de D. Pedro I, seu amante. É narrado, em sua maior parte, por Vasco da Gama, que conta a história de Portugal ao rei de Melinde.

O poeta seguiu parcialmente a História de Portugal, quando se referiu à paixão do príncipe herdeiro pela aia da sua mulher. E conta que, apesar das súplicas de D. Inês, as pressões dos conselheiros foram mais fortes, sobrepondo-se às razões de Estado ao direito à própria vida.

Esta morte originou uma discórdia entre o príncipe e o rei, a quem Pedro I responsabilizou pela execução da amada.

Durante muito tempo, as relações entre ambos permaneceram em conflito, até à celebração do Instrumento do pacto de amnistia e concórdia, entre D. Afonso IV e seu filho D. Pedro I, após a grande intriga que houve entre os dois por causa da morte de D. Inês.

Depois da morte de D. Afonso IV, D. Pedro I subiu ao trono para vingar Inês, apesar de anteriormente ter jurado perdoar os conselheiros de seu pai.

Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho, que se encontravam resguardados no reino vizinho, foram devolvidos a Portugal pelo rei de Castela, que fizera um pacto neste sentido com o rei português. D. Pedro I foi assistir ao massacre destes dois responsáveis pela execução de D. Inês, sujeitando-os a uma cruel morte, em que lhes foi arrancado o coração. Diferente destino teve Diogo Lopes Pacheco, que escapou à terrível vingança, por não se encontrar em casa nessa ocasião e ter fugido, logo que o avisaram do sucedido.

D. Pedro I pretendeu provar que casara, clandestinamente, com Inês de Castro, por temer o pai. Em Julho de 1360, prestou juramento e apresentou como testemunhas do acontecimento D. Gil, Bispo da Guarda, e Estêvão Lobato, um empregado do rei. No entanto, esta tardia declaração levantou muitas dúvidas relativamente à sua veracidade. Também não há a certeza moral da sua nulidade (bem ao contrário).

Luís de Camões descreveu o romance entre Inês de Castro e D. Pedro I, mesclando-o com passagens saídas de sua imaginação poética. Inicialmente, apresenta a linda donzela inserida num cenário idílico, onde há uma tranquilidade e beleza condizentes com o mútuo amor que unia o casal, como transparece nos seguintes versos:
“Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus formosos olhos nunca enxuto,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas. (Canto III, est. 120)”

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora
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