A VIDA EM MUITAS VOZES –

Todos nós aprendemos a gostar de música desde os primeiros acalantos maternos, quando os instintos nos orientam para uma das experiências mais agradáveis da nossa vida: gostar de ouvir os sons musicais. Comigo foi exatamente igual, ouvindo os pais habitualmente cantando sucessos populares, aqueles que eles ouviam e aprendiam a entoar através do rádio, enquanto ainda não possuíam uma radiola [desculpem, um toca-discos], presenciando serestas e bailes domésticos comuns nos anos 1950, abismados com as peripécias de Lelé e seu famoso trombone, ou acompanhando meu tio Moisés, nosso hóspede, dedilhando um banjo, ou um violão.

Entre tantas emoções musicais, um filme documentário [ou cinejornal], certa vez, veio provocar um verdadeiro encantamento. Era uma apresentação do Coral Canarinhos de Petrópolis, um grupo de cantores adolescentes cuja harmonia, ainda hoje, aos quase 80 anos de existência, cativa e seduz. Passei, então, a me ver integrando aquele conjunto, embora a minha subnutrida e suburbana figura estivesse muito distante do perfil daquela, na maioria, branca, nutrida e saudável meninada. Faz tempo que não ouço suas audições, porém sinto gratidão pelos Canarinhos, que me estimularam, de maneira vigorosa e irrecorrível, para um dia fazer parte desse belo, importante e necessário movimento musical chamado Coral.

A primeira experiência foi no final dos anos 1960, ao ingressar na Igreja Presbiteriana das Rocas, quando já existia um tradicional e harmonioso coro, sob a regência da Irmã Mariel Spínola, organista da igreja e egressa da primeira formação do grupo. O aprendizado de vários anos como tenor e barítono e um curso de teoria musical, foram determinantes para que recebesse o convite e substituir dona Mariel, impossibilitada por motivos de saúde. Ali, naquela amada Igreja, fizemos uma dedicada e deliciosa viagem de muitos anos, interrompida por um crescente interesse pelas formas mais modernas de louvor e um certo descaso dos mais jovens pelos conjuntos corais.

Mas ainda bem que em Natal existem muitos corais. Igrejas, escolas, empresas, repartições públicas e grupos independentes lutam por manter viva a tradição. Um grande festival anual é promovido pela Secretaria de Educação do Município, o chamado ENCONAT, e reúne grupos não só da nossa cidade, mas de todo o Brasil, em uma variedade de estilos e repertórios que provam a versatilidade e as grandes possibilidades dessa modalidade de interpretação.  Integrando, como cantor ou como regente, alguns desses grupos, tenho desfrutado de um prazer que me acompanha desde quando, no curso primário, fazia dupla com um coleguinha, eu arremedando uma música de Cauby Peixoto, e ele, pressionando as abas do nariz, simulando o som de um violão.

 Isso talvez porque o prazer ou a necessidade de cantar não exija muito preparo e especialização. Os corais amadores são prova disso. Enquanto desfilam as vozes especiais, trabalhadas, virtuosísticas, nos solos ou em grupo, dispostos amadores também cumprem seu papel e o seu ministério de distribuir beleza através da música. Apenas um filtro específico, crítico e orientado tem condição de avaliar a sua qualidade. Os conjuntos corais amadores refletem o direito que todos temos de produzir música. Os trios e quartetos musicais, que já foram tão comuns em Natal, também são parte desse prazer de cantar em grupo, de partilhar os talentos, dividir a emoção de entoar uma canção, um louvor, de interpretar um arranjo precioso a duas, três ou mais melodias, seja com uma pequena turma de cantores, seja integrando essa maravilhosa e democrática forma de cantar: o conjunto Coral, nas horas e momentos em que nos juntamos em estafantes ensaios, confiantes nos nossos talentosos regentes e arranjadores e nos sentimos felizes, enquanto cantamos a vida em muitas vozes.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais

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