A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA –

A tecnologia tem ampliado, consideravelmente, as formas de servidão voluntária. O celular tornou-se indispensável, sobretudo a crianças e adolescentes. Poder-se-ia dizer deles que o corpo humano se divide em quatro partes, ou seja, cabeça, tronco, membros e celular.

Um pouco antes dessa extensão do corpo humano, a televisão já conseguira a uniformização da mediocridade. Um exemplo seria que a forma de falar regional do Brasil continua desaparecendo, substituída pelo jeito sudestino de falar.

Os servos são uma espécie de evolução da escravatura. Na Idade Média, decorriam do não pagamento de dívidas ou de contrato. Quando, no Brasil, eram instauradas as capitanias hereditárias, um jovem de 18 anos, chamado Étienne de La Boétie, escreveu o seu Discurso da Servidão Voluntária. Quase cinco séculos depois, o livro é vigente, um verdadeiro clássico.

O autor foi um filósofo, poeta, ensaísta, humanista. Viveu à época do Renascimento Francês, logo após o término da Guerra dos Cem Anos, da França contra a Inglaterra. Era amigo e admirado por Michel de Montaigne, que o colocou no mais alto nível quando escreveu, nos seus ensaios, sobre a Amizade.

De La Boétie caracterizou a servidão voluntária pela qual os homens se submetem à vontade de um tirano. Os “servos” são moldados pelos costumes, pela religião e até mesmo pela educação que recebiam. Por outro lado, indica a maneira de superá-la, de não admitir a submissão: “Sejam resolutos em não servir e vocês serão livres”.

François Rabelaise, seu contemporâneo, não fazia um bom conceito do ser humano: Os homens são todos iguais ou menos iguais. E os melhores deles não valem nada. Ainda acrescentou: O medo e a subserviência pervertem a natureza humana. Já o conceito de La Boétie era bem melhor. O problema era da tirania formando dominados, que, por sua vez, dominavam outros.

O Discurso influenciou cientistas como, por exemplo, o sociólogo Durkheim e o filósofo Karl Marx. Com o passar do tempo, a sua influência poderosa cresce no reconhecimento da profundidade do texto de sua verdade. Homenagens variadas lhe são prestadas. Chama atenção uma transversal da Champs Élysées à rue De La Boétie, assim designada em 1879, e também se tornou fundação e até o perfume famoso.

A literatura tem sido despertada pelo vínculo da servidão voluntária. Uma obra-prima de erotismo ganhou tradução planetária: A História d’O, de autoria da escritora Anne Cécile Desclos. Nele, a personagem feminina decide pela submissão ilimitada em busca do prazer sexual.

No Brasil, o filósofo e ensaísta, polemista, ideólogo, Olavo de Carvalho publicou livro denominado O Imbecil Coletivo, publicado em 1996. A sua tese teve grande repercussão. Para ele, haveria uma autointoxicação coletiva, sobretudo nos meios universitários, acadêmicos. Denunciava a absurdidade de pessoas inteligentes tornarem-se subservientes a uma ideologia.

Uma solução possível para evitar a tirania imposta sobre o pensar e o agir: a criação do senso crítico através da família e da escola.

 

 

 

 

 

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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