A POESIA NO CORDÃO – 

Uma sentença de Carlos Drummond de Andrade afirma que Leandro Gomes de Barros “não foi o Príncipe dos Poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão do Brasil em estado puro”. E Arlindo Pereira de Almeida referia-se a Leandro como um pioneiro da poesia popular, “… herdeiro da tradição ibérica […] que encontrou no Nordeste do Brasil campo fértil para se firmar como um dos mais importantes marcos de nossa identidade cultural”.

A nossa região foi sempre a maior produtora de poetas populares; uma abundante estirpe de versejadores que narraram [ainda narram] o cotidiano, o passado e até o porvir, muitos dotados de uma cultura informal que dispensa diplomas e outros ícones da burguesia culta, porém portadores de uma vivacidade de espírito capaz de causar inveja ou admiração às mentes mais instruídas. Uma destreza verbal que, hoje celebrada e reconhecida, foi disseminada através dos folhetos populares, desde os primeiros trabalhos elaborados por Leandro, quando resolveu publicar e divulgar suas obras. Do final do séc. XIX ao início do séc. XX, não houve tema, assunto ou costume social que não fosse retratado pelo poeta em sextilhas, septilhas e décimas, modelos de estrofes nas quais fez desfilar a sua criatividade, narrando a vida do sertão e da cidade.

Na esteira do pioneirismo de Leandro Gomes de Barros, o Nordeste produziu uma enorme constelação de poetas populares, a maioria dotada da mesma verve, do mesmo talento. Antigamente celebrada apenas pelos leitores comuns – a gente simples que sempre enxergou nessa literatura a sua forma maior de expressão –, a poesia do povo foi descoberta por círculos intelectuais que lograram captar algo mais significativo do que parecia propor a aparente ingenuidade dos chamados folhetos de cordel (de tão divulgada e discutida, dispensamos explicação para a origem do termo).

Há mais de um século, essa forma de comunicação tem levado diversão, formação e informação aos aficionados dos folhetos. Opiniões, costumes, romances, histórias verdadeiras ou inventadas, sempre foram os temas mais comuns. Uma análise mais apurada é capaz de descobrir, em várias obras, o ranço de antigas intolerâncias, representadas por históricos preconceitos raciais e sociais, inadmissíveis nos corretos tempos atuais. Os autores, herdeiros ou contemporâneos desses hábitos, porém, não devem ser penalizados por ideias, impressões, em juízo da sua realidade.

Objeto da criação e da genialidade dos grandes cordelistas, essas obras, de versos obrigatoriamente simétricos e oralmente musicais, atraíram a simpatia de autores de vários gêneros, idades e níveis culturais, alguns arvorados da intenção ou enxergando-se como poetas, intentando produzir sextilhas e outras métricas, sem perceberem que a poesia de cordel não é um mero desfilar de rimas. Para um bom efeito e o agrado dos sentidos, torna-se necessária a aplicação correta da medida, da fôrma dos versos, para, juntamente com as consonâncias verbais, produzirem impressão de musicalidade. Como nas canções, o texto da poesia deve obedecer a um ritmo, casar com a melodia da rima, para resultar em uma peça de agradável leitura e audição.

Assim, honraremos os grandes nomes da literatura de cordel, como foram, além de Leandro Gomes de Barros, Manoel Camilo dos Santos, Silvino Pirauá de Lima, Paulo Nunes Batista, José Pacheco da Rocha, Francisco Sales Arêda, José Costa Leite, João José da Silva, Firmino Teixeira do Amaral, Joaquim Batista de Sena, citados de memória, e muitos outros integrantes do grande Panteão da poesia nordestina e brasileira, cuja obra gerou reconhecimento, admiração e respeito. Eu era ainda criança quando me rendi a esses mestres, que prenderam a minha atenção, desde João Melquiades Ferreira e o seu Romance do Pavão Misterioso.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais

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