A MAIS TERRÍVEL SECA –
Não obstante as fortes chuvas caídas no Agreste e na região litorânea do Estado, dias atrás os Municípios de São Miguel, Paraná e Pilões, do Alto Oeste potiguar, se declararam “em situação de colapso no abastecimento de água”.
Atualmente existem alguns sistemas para amenizar o problema das secas que periodicamente nos atinge. Há os poços profundos que retiram água não salobra, as cisternas que armazenam as águas das chuvas, os caminhões pipas e as adutoras que interligam várias cidades da região. Quando nada disso existia, as longas estiagens eram prenúncios de sede, fome, dor, sofrimento e morte para milhões de pessoas. Graciliano Ramos retratou muito bem esse drama nordestino no seu livro “Vidas Secas”, romance publicado em 1938. Foi a seca a causa da forte imigração de nordestinos para o centro-sul do país em busca de sobrevivência, principalmente para o Rio de Janeiro e São Paulo, dando origem aos “paraíbas” cariocas e aos “baianos” paulistas.
A primeira seca vivida pelos colonos portugueses ocorreu entre os anos de 1580 e 1583, quando a região do atual Pernambuco foi violentamente atingida pela estiagem. Houve frustração na colheita da cana de açúcar, paralisação dos engenhos, fazendas perderam muitas rezes e milhares de índios desceram do Sertão em busca de comida.
Nos grandes períodos de seca, a ausência de chuva se prolonga de forma atípica por vários meses e, por vezes, até por anos seguidos. Esse fenômeno é uma permanente ameaça à região semiárida do Nordeste brasileiro. Sua ocorrência se dá, entre outros motivos, quando a convergência dos ventos alísios de nordeste – predominantes no hemisfério norte – e os ventos alísios de sudeste – predominantes no hemisfério sul – não conseguem se deslocar até a região do chamado Polígono das Secas, no período outono-inverno no hemisfério sul. A seca vem quando as chuvas do “inverno” (na verdade, do verão) faltam quando deveriam acontecer.
Em 1877, o Nordeste viveu uma das mais terríveis secas da sua história. Seca essa que se prolongou por três anos consecutivos, findando somente em 1880. Na região Oeste do Estado, a população rural, sedenta e faminta, abandonou as fazendas e sítios e se dirigiu para as cidades de Mossoró, Macau e Areia Branca. Houve um período que existia na região de Mossoró não menos que 70 mil (?) flagelados em busca de sobrevivência; alguns vindos até de Estados vizinhos.
O quadro era dantesco e foi descrito por Felipe Guerra e Teófilo Guerra, no livro “Secas contra a seca” (1974). Famílias inteiras rumaram para as regiões litorâneas, fugindo da longa estiagem. Andrajosos, esfarrapados, esmolambados, na miséria e famintos; muitos pereciam pelas veredas e estradas de terra batida. Em fins de dezembro do primeiro ano, Mossoró já contava com cerca de 25 mil retirantes, pessoas cuja ocupação única era ter fome e morrer de miséria ou de varíola. Raros eram os homens que vestiam camisas sãs ou as mulheres que tivessem vestidos sem remendos. Muitos morriam em seus casebres improvisados, nas ruas ou nas calçadas da cidade, de onde seus corpos eram levados para o cemitério e enterrados em valas comuns. A média diária oscilava entre 30 a 40 óbitos.
Os rigores da seca continuaram pelo ano de 1878, registrando grande quantidade de vítimas. Em Mossoró, a mortalidade duplicou com o crescimento dos óbitos causados pela epidemia de varíola que, então, assolava com mais violência. Quem as pessoas se aproximavam do perímetro urbano da cidade, sentiam o mau odor que era exalado pelas vítimas da peste. No ano seguinte, 1879, o inverno foi pequeno; e o sertanejo não teve recursos para iniciar o trabalho de plantio e de criar o gado. Só em janeiro de 1880 é que houve ensaio de inverno, com algumas chuvas. Em abril, as chuvas foram copiosas e gerais, quando o inverno ficou assegurado.
Um dos efeitos da grande seca foi fazer de Mossoró um mercado negreiro. Os fazendeiros que não podiam manter seus cativos, mandavam seus escravos para serem vendidos em Mossoró que, desse modo, viu se estabelecer na cidade o comércio dos escravos. Várias empresas se especializaram nesse tipo de mercadoria, entre elas a “Mossoró & Cia.”, cujo sócio majoritário era Joaquim da Cunha Freire, o Barão de Ibiapaba, ex-governador do Ceará no biênio 1869-1870. Os escravos comprados em Mossoró eram remetidos a Fortaleza e, dali alguns eram revendidos para as Províncias do Sul.
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN