A HISTÓRIA –

A medicina foi a minha primeira e única escolha de profissão. O desejo veio de forma mais espontânea possível. Muito me marcava quando minha mãe me levava para a consulta médica. Via naquele senhor sério, vestido de branco, algo diferente; havia nele uma áurea de humanidade e muita sabedoria. Aquela imagem muito me impressionou e me encheu de ânimo, na busca daquilo que queria ser e exercer no futuro.

Fui, durante meu o curso secundário, um admirador e dedicado observador das ciências biológicas. Fiz a escolha certa, quando procurei seguir o curso científico, momento que iniciei o caminho pela estrada que me levaria para a ciência e a arte dos deuses: a medicina. Tudo começou em 1964, ano da minha aprovação no vestibular. Ano tumultuado, agitado e de muitas incertezas na condução da nação. A política fervia e a república balançava.

O resultado final foi que o poder nacional passou a ser administrado pelas forças armadas, culminando com a instalação do Ato Institucional número 5, dando pleno e total poder aos seus governantes; a democracia foi para o quinto dos infernos.

Foi diante desse clima tenso, desse quadro de ebulição política, que iniciei e terminei o meu curso médico (1964- 1969). Uma glória, uma felicidade única e inimaginável. Era médico, sim, com diploma na mão, um coração taquicárdico e uma longo caminho a seguir, de sonhos e de esperanças. E, assim, segui. Fui em busca de uma pós-graduação; uma especialização em um centro maior, mais avançado e desenvolvido, que me desse uma melhor base no campo prático.

Procurei auxílio e orientação de professores com os quais tinha mais afinidade. Assim, fui ao encontro do Professor Celso Matias, que me perguntou se eu não gostaria de fazer residência médica na cidade de Salvador/Bahia, pois lá tinha um grande amigo: Heonir Rocha (in memoriam), Professor, Doutor em Nefrologia pela Universidade de Cornell/Estados Unidos, chefe da Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgar Santos/UFBA.

Tudo acertado; viajei para a cidade baiana. Deixei um vínculo empregatício na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como funcionário da Faculdade de Farmácia, na função de preparador de laboratório. Em 1971, regressei a Natal, com o Certificado da Residência Médica e apto a enfrentar o desafio da profissão. Fiquei à disposição do Centro de Ciências da Saúde, no Departamento de Medicina Clínica, no Hospitaldas Clínicas, hoje Hospital Universitário Professor Onofre Lopes, sem nenhuma atividade acadêmica e assistencial; como diz a gíria popular: no “estaleiro” aguardando o chamado por edital para prestar concurso para ingressar no magistério universitário.

Em março de 1972, prestei provas para o ingresso no Departamento de Medicina Clínica, para a disciplina de Nefrologia, até então inexistente na grade curricular do curso médico. Aprovado. A segunda vaga foi ocupada pelo colega, Doutor José Euber Pereira Soares. Assumindo oficialmente, passei a ser o coordenador da disciplina, tempo que perdurou até a minha aposentadoria, em 1994. Organizamos a disciplina e iniciamos a formação de novos pretendentes à especialidade.

No início da década de 1970, chegou, a Natal, o Navio Hospital Americano, com o Projeto Hope. Oportunidade que fez com que tivéssemos um aproveitável momento de aprendizado com os nefrologistas americanos.

A nossa Universidade havia recebido, do Ministério da Saúde, em uma transação comercial do Brasil com Alemanha Oriental, em troca por nosso café, algumas máquinas hemodialisadoras (rins artificiais), as quais foram distribuídas para algumas Universidades da Região Nordeste; a nossa Universidade (UFRN) foi agraciada com uma delas, a Aue II. Máquina obsoleta, de difícil e delicado sistema de funcionamento.

O colega José Euber teve uma experiência com máquinas de hemodiálises na sua residência médica, no Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro e juntos começamos a trabalhar e quebrar a cabeça para colocar a complicada engenhoca para funcionar. Com muito empenho e dedicação, conseguimos realizar a primeira hemodiálise no Estado do Rio Grande do Norte, em 1972, um marco histórico na medicina da região.

Percebendo o nosso esforço, a nossa trabalheira para fazer funcionar a máquina alemã, o colega americano do Projeto Hope nos doou um filtro capilar, peça fundamental que “substitui” a função de filtração do rim normal, que iria ser usado em lugar da membrana em concertina. Assim, idealizamos e fizemos com astúcia a adaptação do filtro capilar na engenhoca alemã, passando a dialisar melhor e com maior segurança os nossos pacientes. Feito pioneiro no Brasil, que nos instigou a realizar um trabalho científico, que foi apresentado no Congresso Brasileiro de Nefrologia, em Brasília, revelando o pioneirismo da adaptação do filtro capilar à máquina alemã, no Brasil.

Criamos o Centro de Diálises (peritoneal e hemodiálise) no Hospital das Clínicas (Hospital Professor Universitário Onofre Lopes). Inauguramos, em 1974, a primeira clínica privada de terapia renal substitutiva (hemodiálise) – a Clínica de Doenças Renais.

Em 1998, inauguramos o primeiro Serviço Móvel de Hemodiálise (SOS Diálise), com o qual passamos a atender os pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) nos Hospitais de Natal. Em 2002, criamos o primeiro serviço de hemodiálise no município de Parnamirim – Pró-Rim Assistência Nefrológica.

Realizamos, no Hospital das Clínicas (Hospital Professor Onofre Lopes), a primeira biópsia renal percutânea, com o apoio ultrassonográfico do Dr. José do Carmo Costa Filho.

Esse foi o caminho, o traçado marcado e deixado por nós. E, hoje, damos por cumprida, e com muito orgulho, a nossa missão, esperando vê-la acesa e inapagável. Somos parte desse corpo, desse braço forte, que construiu e que mantém viva a história da medicina do Rio Grande do Norte.

O que seria da vida sem a revelação da sua história?

 

 

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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