ÚLTIMO TABU DO CRISTIANISMO –

Foi em um lugar considerado infame, chamado Gólgota (“lugar das caveiras”) ou Calvário, nos arredores de Jerusalém – no qual os condenados à morte pelos romanos eram deixados nus para agonizar, pregados no que se chamava de “estaca de tortura”, hoje chamada “cruz” – que surgiu um dos primeiros movimentos de resistência feminina da História.

Foi naquele terrível lugar de tortura que o judeu Jesus foi conduzido à morte, após ter sido condenado pelo governador da província da Judeia, Pôncio Pilatos. Os romanos, em conivência com autoridades religiosas judaicas, acusavam Jesus de ser um subversor da ordem. Seu crime era estar sempre rodeado por pessoas que o poder desprezava, como leprosos, aleijados, cegos, endemoniados (as), prostitutas, pescadores pobres e outros miseráveis incultos.

E foi aos pés da estaca de tortura em que Jesus agonizou, no meio de uma terrível crise de solidão que o fez exclamar “Pai, por que me abandonastes? ”; e em seguida, “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lucas 23:46), foi nesse contexto que nasceu o primeiro movimento de resistência das mulheres – que caracterizaria o início do cristianismo primitivo (30 d.C. até o final do século I), com base nos verdadeiros ensinamentos de Jesus de Nazaré), nascido dentro do judaísmo.

O leitor sabe que, durante o drama da paixão, quando os apóstolos, desiludidos ao ver seu líder, de quem esperavam um reino melhor, ser crucificado como um malfeitor qualquer; esconderam-se com medo de que também fossem perseguidos.

Além disso, passado o sábado (que era de descanso total para os judeus), no domingo, “antes de amanhecer”, Maria Madalena saiu, sem medo, rumo ao Gólgota para ver onde haviam sepultado Jesus.

Os quatro evangelhos canônicos (Marcos, Mateus, Lucas e João) diferem às vezes sobre o grupo de mulheres valentes que desafiaram tudo para estar ao lado do crucificado. Mas, todos eles sempre mencionam Maria Madalena como a líder do grupo. E foi para ela que Jesus apareceu primeiro, antes de aparecer para os apóstolos. Assim, quando Maria Madalena, que na teologia moderna aparece cada vez com maior credibilidade, como esposa de Jesus, mandou dar a Pedro (que estava escondido) a notícia de que Jesus havia se materializado, o discípulo não acreditou. Só quando Jesus começou a aparecer também para os outros apóstolos é que eles perderam o medo, e todos acabaram dando a vida pelo Mestre.

No entanto, já era tarde. As mulheres continuaram com seu movimento de resistência, conscientes de que tinham sido elas, e não os apóstolos (nem mesmo Pedro), as primeiras a saber que Cristo tinha se materializado, e estava vivo. Mas, foi ainda no início do cristianismo que as mulheres acabaram relegadas a um segundo plano e teve início uma operação de desconstrução do poder feminino que dura até hoje.

As mulheres foram protagonistas, até que o apóstolo Paulo, chamado de “o postiço” porque não havia conhecido Jesus e foi um convertido posterior, decidiu retirá-las da esfera do poder, que seria só masculino. Ao organizar o cristianismo como religião, as mulheres estariam “subordinadas ao homem” em tudo, dentro e fora da Igreja.

Foi nessa operação de relegar a mulher a um segundo plano, de mera ajuda aos homens, que a Igreja confundiu Maria Madalena com uma das prostitutas do Evangelho, e manteve esse erro até pouco tempo atrás.

Tenho uma premonição. Talvez não seja necessário nenhum milagre como no Gólgota com Madalena. Basta que, no próximo conclave, um grupo de cardeais decida eleger uma Papisa, com todos os poderes.

Seria a vingança de Maria Madalena.

Como se vê, o assunto não é novo. Alguns julgam o feminismo imoral e acusam-no pelo fim do casamento. Outros o consideram uma ameaça – pois negaria a importância da maternidade e crenças religiosas.

Aqui no patropi, o antifeminismo acompanha as agendas eleitorais e se engajou na valorização dos tradicionais papéis femininos: mãe e esposa dedicada ao lar. O conservadorismo sempre esteve por aqui.

Todavia, feministas ou não, hoje é perceptível a vontade da mulher brasileira de se desenvolver, deixando a submissão para trás e cultivando valores como o conhecimento, o trabalho, a solidariedade e a cidadania. A notícia de que 40% das brasileiras preferem estudar e trabalhar a casar-se é a melhor notícia que tivemos nos últimos tempos.

Todavia, os dados ainda são chocantes e intoleráveis: a cada 36 horas uma mulher é vítima de feminicídio. E a razão não mudou: o sentimento de posse, a exigência de submissão e obediência.

Este, talvez, seja o último tabu do cristianismo. Até quando?

 

Rinaldo Barros é professor[email protected] – www.opiniaopolitica.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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