RELEMBRANÇAS –

Esta semana tomamos posse na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Cinco novos acadêmicos. Cerimônia pequena, dada a pandemia, já que os habitantes daquela Casa, embora chamados de “imortais”, morrem deveras.

Assentei-me na cadeira 19. E é meu dever – e prazer – homenagear os que, construindo e honrando a Academia, passaram por lá antes de mim. Estes, sim, já idos, mas sempre relembrados, são os verdadeiros imortais.

Começo pelo mestre e patrono da Academia: Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Em 1936, ele foi fundador (cadeira 13) e inspirador da Casa, ali brilhando até o seu encantamento. Tanta coisa para dizer de Cascudo (até porque agora estou lendo o seu “Civilização e cultura”, num exemplar da Editora Itatiaia, de 1983, dedicado aos meus pais). Mas apenas parafraseio suas próprias palavras, pescadas da crônica “O provinciano incurável”. Cascudo queria “saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivências dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios”. Jamais abandonou “o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade”. “Livros. Cursos. Viagens. Sertão de pedra e Europa”, Cascudo era de ouro e luz. E basta!

Ferreira Itajubá, o poeta, é o patrono da cadeira 19. Ele nasceu na Ribeira. O ano não se sabe ao certo. Coisa entre 1875 e 1877. Foi morrer no Rio de Janeiro em 1912. Um menestrel que se alimentava das ruas. Ator e homem de circo. Professor, jornalista e boêmio. Enxergo-o com uma mistura de Edgar Allan Poe e Noel Rosa, acho que até pela foto mais conhecida do poeta. Os três morreram moços. Mário de Andrade disse: “O Brasil precisa conhecer melhor Ferreira Itajubá”. Quem laborou nesse sentido foi o saudoso acadêmico Nílson Patriota, no seu “Itajubá esquecido” (FJA, 1981), biografia que tenho xeretado estes dias. As “poesias completas” de Itajubá, reeditadas, são coisa de poeta maior.

O professor Clementino Câmara foi o fundador da cadeira 19. Sobre ele, registra Leide Câmara, em “Memória Acadêmica” (IFRN, 2017), que “nasceu na Praia da Pipa, Tibau do Sul, atualmente Goianinha (RN), em 17 de janeiro de 1888, e faleceu em Natal (RN), no dia 18 de setembro de 1954, aos 66 anos”. Foi acadêmico de 1936 a 1954. Líder maçônico, casou-se com uma sobrinha de Itajubá. Clementino cursou direito sem terminar. Foi ser jornalista e professor. Escreveu bastante, em especial sobre a língua portuguesa e história. Clementino foi um dos nossos mais cultos educadores.

Já Nilo Pereira (1909-1992), potiguar de Ceará-Mirim, pernambucano por adoção (onde se fez deputado, secretário de estado e professor da Faculdade de Filosofia do Recife), foi o primeiro sucessor da cadeira 19 da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Ficou lá de 1955 a 1992. Ouvi falar de Nilo Pereira, ainda menino, por causos contados por Aluízio Alves, que era meu tio por parte de mãe. Nilo Pereira era bacharel em direito. Foi professor, historiador, ensaísta e jornalista. Foi da Academia Pernambucana de Letras. Pelo conjunto da sua obra, que é enorme, ganhou o Machado de Assis, da Academia Brasileira, principal prêmio literário do país. Potiguares, acredito, só ele e Cascudo tiveram essa honra. Foi genial.

O último ocupante da cadeira 19 foi Murilo Melo Filho (1928-2020). Assentou-se em 1992. De Natal, ele “estagiou” nos jornais da sua terra. Foi moço fazer a vida no Rio de Janeiro. Foi jornalista badalado, trabalhando para o grupo Bloch/Manchete. Andou por Brasília e percorreu o mundo acompanhando Presidentes da República. Foi da Academia Brasileira de Letras (de 1999 a 2020). Fez e escreveu história, sobretudo política. Destaco “Testemunho político” (Bloch, 1997) e “Tempo diferente” (Topbooks, 2005), que possuo com dedicatória extensiva a mim. Murilinho foi o único dos aqui relembrados que conheci pessoalmente.

De minha parte, rendendo estas homenagens, espero um dia podermos confraternizar todos juntos. Celebrar mesmo. Com muita luz. Como prega a divisa da Casa: “Ad lucem versus”. Os imortais, em espírito. Os vivos, devidamente vacinados. Até porque, mesmo depois da posse, sendo propositalmente repetitivo, continuo morrendo de medo de morrer.

 

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *