1- Reflexões sobre a eleição –

O destaque positivo das eleições municipais foi o alto nível dos debates entre os candidatos Covas e Boulos em São Paulo. Discussões programáticas e respeitosas. Ao contrário do baixo nível praticado pelos candidatos em Recife. Mesmo sendo de partidos de esquerda e primos entre si, o que se viu foi o uso de táticas torpes. Similares aos que eles acusam os bolsonaristas de fazerem uso. De quebra a candidatura do prefeito Geraldo Júlio subiu no telhado. João Campos teve de esconder o nome dele na campanha e não se sabe quanto tempo durará a cicatrização da derrota petista.

A grande dianteira de Covas sobre Boulos mostra que o socialista não tem cacife para ganhar nem o governo de estado nem a presidência da República. Salvo a ocorrência de algo excepcional. Boulos fez uma excelente campanha e emerge como grande líder da esquerda, contudo, enquanto continuar defendendo Lula, Venezuela e Cuba dificilmente irá muito longe. Salvo entre os jovens (16 a 24 anos) que lhe deram uma confortável vitória: 67% dos votos segundo o Datafolha.

Um outro ponto que a esquerda precisa repensar é o motivo dos mais pobres estarem se distanciando dos progressistas em São Paulo. Como bem lembrou Dimitrus Dantas, no bairro de Jardim Helena, localizado na periferia da Zona Leste de São Paulo, Haddad obteve 77% dos votos válidos. Já Boulos ficou com apenas 46%. Dantas também pontuou que “Boulos venceu em alguns redutos da esquerda na periferia, como Parelheiros e Grajaú, na Zona Sul, ou Cidade Tiradentes, na Zona Leste. Mas não pelas margens que precisaria para ter chances de vitória. Neste último bairro, por exemplo, teve 56% dos votos. Na última campanha vitoriosa do PT na capital, Fernando Haddad teve 80% dos votos na Cidade Tiradentes. Mais do que isso, Covas venceu em vários bairros pobres da capital, como o Itaim Paulista ou Guaianases”.

Destaque para o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Na surdina seu partido fez 640 prefeitos. Ou seja, 101 a mais do que em 2016 tornando-se a terceira força municipal do país. Kassab conhecido pela expressão de que o PSD, quando ia ser fundado, não seria nem de centro, nem de direita, nem de esquerda, cunhou um novo conceito: “centralismo radical”. É assim que define a vitória do “centro” nas eleições municipais. Kassab está com pés em duas canoas. Seu partido está na base do governo Bolsonaro, mas está licenciado da Casa Civil do governo Doria. Rei da geleia geral dos partidos políticos, encontra-se em posição confortável para negociar sua adesão a qualquer uma das candidaturas. Enaltece a vitória de Covas e nega que a liderança de Bolsonaro tenha murchado.

Outra jovem liderança despontou na eleição. ACM Neto fez, com folga, seu sucessor na Bahia. E seu partido cresceu nacionalmente, em particular, com a vitória de Eduardo Paes no Rio de Janeiro. Juntamente, com Khalil (PSD) em Belo Horizonte e Covas em São Paulo, formam o “triângulo das Bermudas” da disputa para 2022. É provável que Bolsonaro tente atrair o PSD para poder navegar em águas mais tranquilas. A despolarização foi a marca destas eleições.

Bolsonaro cometeu uma série de erros nestas eleições. A princípio anunciou que não se envolveria na mesma. Depois mudou de posição e apoiou os candidatos errados. Depois retirou seu apoio. Tanto Crivella, Russomano como a Delegada Patrícia perderam por causa deles próprios e não por conta do apoio de Bolsonaro. Contudo, ficou o desgaste. A imagem de mito foi afetada. Mesmo assim estará no segundo turno em 2022. Ao contrário de Lula, cujo ciclo eleitoral, ao que tudo indica, terminou. Jilmar Tatto ficou em sexto lugar em São Paulo e Nilmário Miranda obteve idêntica colocação em Belo Horizonte. No Rio, Benedita da Silva chegou em quarto lugar. A exceção foi Marília Arraes. Que não possui DNA petista.

Para terminar a constatação de que o voto facultativo foi informalmente implantado. Falta agora formalizá-lo

2- O Brasil cansa e muito. O “centrão” fortaleceu-se nas eleições. O índice de alienação eleitoral cresceu. E há vozes dizendo que a democracia brasileira saiu fortalecida.

 

 

 

Jorge Zaverucha – Mestre em Ciência Politica pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFPE

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