Em uma das inúmeras consultas realizadas nesses quase meio século de atividade médica, uma me vem à lembrança com uma peculiaridade inusitada.

 Atendo a um paciente que faz o seguinte relato do seu quadro clínico:

– Doutor,  estou “morrendo” de dor; é bem  em cima do meu rim direito e, quando urino, percebo que a urina sai sanguinolenta. A dor é insuportável, não melhora com nada!

Atento às informações e às queixas do consultado, faço a minha devida avaliação e concluo tratar-se de uma situação clínica muito comum em consultório de doenças renais: um provável cálculo (pedra) no rim.

Na sequência da investigação, faço a solicitação de exames complementares, com ênfase para o exame de imagem – uma ultrassonografia do aparelho urinário.

Já no dia seguinte, ainda com bastante dor, o paciente retorna ao consultório com o resultado do exame. Feita a leitura, fica realmente confirmada a hipótese diagnóstica: a presença de uma pedra de tamanho considerável, com mais de um centímetro de comprimento, localizada no rim direito.

Com o diagnóstico feito, a orientação terapêutica foi devidamente passada.

Por coincidência, acabara de chegar a Natal um aparelho conhecido como Litotritor: uma máquina geradora de ondas de choque integrada à unidade ultrassônica para fragmentação de cálculos renais, sem a necessidade de cirurgia.

Como se tratava de uma terapêutica nova, utilizando uma máquina de alto preço, óbvio que o custo do procedimento não seria barato e, sim, uma grana preta e salgada.

Tudo foi bem explicado e  passado  ao paciente.

Muito atento, com um semblante  de  sofrimento profundo, ficou pensativo e realmente  preocupado em como iria conseguir tanto dinheiro para pagar o necessário, indispensável e o salvador tratamento, sendo um simples funcionário público estadual pouco remunerado.

 – É o jeito, doutor, a única solução encontrada é vender o meu de carro de estimação e de grandes e inestimáveis serviços prestados a minha família; mas não tem outro jeito, nem o que fazer, tenho que ficar é livre dessa insuportável dor. Saiu  muito triste e pensativo.

 Poucos dias depois, me vejo novamente no consultório diante do sofrido paciente. Percebi que algo diferente – e de bom – havia acontecido. Sua face já não demostrava sofrimento e, sim, um sorriso contagiante. Conduzia na mão um vidrinho e ao abri-lo despejou em cima do birô e desabafou:

– Veja, doutor, aqui está a  desgraçada da pedra! Consegui expelir espontaneamente, apesar do seu grande tamanho.

-Passei noites e noites inteiras sem dormir, pensando, pensando e pensando em saber que iria perder o meu carrinho, que tanto tem ajudado em todos meus afazeres no trabalho e com a família.

-A força mental foi tão grande, que, em certo momento, depois de ingerir uma boa quantidade de água, consegui expelir a grande e indesejável pedra.

–Doutor, que felicidade! Estou radiante, não vou precisar mais vender meu carro, e, melhor ainda, fiquei livre e aliviado daquela molestada, insuportável e terrível dor.

A força mental falou mais alto. Venceu a máquina! Venceu a pedra! Venceu a dor!

Berilo de CastroMédico e escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *