Dia de São Nunca –

Maria do Carmo e Manoel eram casados há vinte anos. Formavam um casal perfeito, apesar da lacuna provocada pela falta de filhos.
Manoel era muito “econômico”, em virtude da pobreza em que sempre viveu. Mas era um homem fiel, íntegro e trabalhador. Não lhe faltavam serviços de mestre de obras e de bombeiro hidráulico. O casal tinham casa própria, boa mobília, e tudo que se quebrava, Manoel sabia consertar. Não queria comprar nada novo. A mulher ficada contrariada, mas tinha de aceitar, afinal de contas, ela não dispunha de um centavo para nada. Quando pedia alguma coisa nova ao marido, entrava por um ouvido e saia pelo outro. Manoel não dava bolas aos seus apelos. E o discurso de Maria do Carmo era sempre o mesmo:

– Sabe quando é que eu vou ganhar uma batedeira de bolo? Dia de São Nunca, do meio dia pra tarde!!!
– Sabe quando vou ganhar um ventilador novo? Dia de São Nunca, do meio dia pra tarde!!!

Manoel, com a sua calma e com um leve sorriso, respondia:

– Você reclama demais! Calma, que um dia você vai ter tudo de bom nesta casa, do jeito que você quer!

Agressivamente, Maria do Carmo gritava:

– Só se for no dia de São Nunca, do meio dia pra tarde! “.

De repente, Manoel morreu atropelado, aos 45 anos. Desesperada, a mulher se viu sozinha, como se estivesse equilibrada em uma perna só. Essa é a sensação que tem uma viúva, dependente emocionalmente do marido, quando a desdita dela se apodera. Ela se sente mutilada.
Inconsolável, Maria do Carmo sentia falta do marido, amigo e companheiro.

Com a morte de Manoel, a viúva passou a viver com uma irrisória pensão do INSS. Decorrido um ano, ainda não havia se acostumado com a dolorosa ausência.

Quando surgia um problema doméstico, Maria do Carmo tentava rememorar a forma como Manoel consertava tudo dentro de casa. Se o ferro de engomar falhava, se o ventilador emperrava, se a torneira vazava, ou se a caixa de gordura entupia, ela já sabia dar um jeito.

A casa de Maria do Carmo, de repente, começou a exalar um terrível mau cheiro, vindo da caixa de gordura, de onde começou a escorrer uma água muito suja. A viúva, que vivia com os nervos em pandarecos, invocou a memória do falecido, pedindo-lhe orientação para solucionar esse problema. Para Manoel, isso seria “fichinha”.
Sentada no chão alagado de água pútrida, com os olhos inchados de chorar, num quadro depressivo de fazer pena, a viúva não acreditava que aquilo estivesse acontecendo.

E voltou-se contra o falecido:

“Manoel, você foi um ingrato! Foi embora e me deixou na rua da amargura! Minha casa é cheia de gambiarra! ”

O rancor contra Manoel foi aumentando, e, descontrolada, estava à beira de um colapso nervoso. Olhou para o Céu, pedindo clemência ao Todo Poderoso!

O problema surgido na caixa de gordura deixou Maria do Carmo muito aflita. Como a dor ensina a gemer, “arregaçou as mangas” e foi à luta. Criou coragem, colocou as luvas do “de cujus“, pôs uma máscara, e pegou a peneira que Manoel usava para fazer esse serviço. Com muito esforço e lembrando-se das lições do falecido, levantou a tampa da caixa de gordura e viu algo estranho, uma coisa nojenta e fedida. Mas não poderia recuar, diante do que estava vendo. Ajoelhou-se diante da caixa de gordura e começou a limpá-la.

De repente, a peneira bateu num objeto redondo e comprido, tipo um cilindro. Maria do Carmo estranhou aquilo, mas a curiosidade foi mais forte. A mulher meteu a mão no fundo do esgoto e pegou num pote plástico, igual ao do achocolatado Toddy. E pensou consigo: “Que diabo é isso, Manoel?” Ainda ajoelhada, limpou o pote plástico e com alguma dificuldade o abriu. Para sua surpresa, dentro do pote havia um saco plástico bem amarrado, guardando pequenos tubinhos. Ela abriu o saco e desenrolou um dos tubinhos. Para sua grande alegria, eram notas de 100 reais, enroladas em um bilhetinho, que dizia: “Aniversário de 15 anos de casamento“. Aí havia 50 notas de 100 reais. Abriu outro tubinho e encontrou outro bilhete: “18 anos de casados“. Mais 50 notas de 100 reais. Outro tubinho: 20 anos de casados” – 50 notas de 100 reais. Outro tubinho: “Feliz Natal” – mais 50 notas de 100 reais. Outro tubinho: “Feliz aniversário”! – mais 50 notas de 100 reais.

E eram tubinhos e mais tubinhos, com notas de cem reais. Uns com 50 notas, outros com 30, outros com 20. Maria do Carmo pensou que estivesse sonhando!

No fundo do pote, estava uma carta que dizia:

“Querida Carminha: Se você está lendo esta carta é porque, com certeza, eu estou doente ou já estou morto. Aqui estão os presentes que eu fiquei lhe devendo. Compre tudo o que você quiser e o que sempre sonhou, durante todos esses anos. Você é e será sempre o grande amor de minha vida. Fique com Deus!

Manoel, seu eterno amor.

Veja bem, Carminha: O problema da caixa de gordura era esse pote. Nunca mais você terá problemas”!

 

Violante PimentelEscritora

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *