FABIO MACEDO1

Fábio Macêdo

Ontem, fui o escolhido dentre tantos amigos para fazer a despedida do nosso querido Américo Martins. Confesso que apesar de já ter experimentado e desafiado tantas plateias, senti-me honrado, mas ao mesmo tempo fiquei com um medo enorme que as minhas emoções não pudessem expressar, ao menos em parte, o que representou e continuará representando este grande homem e amigo para todos nós. Estávamos ao som de ¨New York, New York¨ que se imortalizado na voz de Frank Sinatra, ganhou alma na voz do nosso ¨boy¨. Ao som de violino que acompanhava o seu cortejo, todas as almas ali presentes foram dissecadas, externadas numa profunda emoção que se abatia a cada longa passada, que sofregamente tivemos que experimentar. Mas o sofrimento pelo qual todos nós vivenciamos, foi-se lentamente, encontrando o conforto na energia que emanava naquele bosque, liderada pelos seus filhos tão amados, ex esposas, familiares e incontáveis amigos. As lágrimas que teimavam em jorrar em nossos rostos expressavam o quão amado era esse Homem.

Américo era assim: intenso. Não fazia nada pela metade, amava intensamente. Era exagerado. Do seu jeito, amou cada uma das suas mulheres. Como falava delas com toda a paixão. Dos seus encontros amorosos, foi presenteado com dois filhos lindos. Muito orgulhoso, se referia a eles com muita paixão. Débora e Thiago. Quando falava sobre eles, o seu coração se enchia de orgulho. Nos seus olhos, percebia-se um clarão, uma chama de paixão de um pai intenso. Não sei como ele expressava este amor aos meninos, mas certamente o fazia do seu jeito todo especial.

Américo era assim: Fidalgo, cortês, de uma bondade no coração que não pertence a esta terra, pelo menos em tempos modernos. Cirurgião de qualidades extraordinárias, aditivada com uma vocação descomunal à bondade, tratou inúmeras pessoas, sem delas cobrar nem ao menos os seus honorários. Na sua busca insaciável por desafios, mesmo detentor da maior clientela de cirurgia plástica de Natal, exercitava seu espírito nômade em terras longínquas e desafiava as línguas, conquistava territórios e fortunas, que eram expressadas não em bens materiais, moeda dos simples mortais, mas nos incontáveis amigos, na enorme cultura, nos novos amores que descobria e conhecimento que adquiria. Um conquistador que em batalha, não precisava derramar sangue, ao oposto estancava-o. Os seus inimigos eram a dor, o sofrimento, a ¨feiura¨ e a morte. Talvez em sua alma tivesse um inimigo oculto, que ele ousava diariamente em desafiar.

Fui apresentado a ele no dia 24 de dezembro de 1987, quando fui vitimado por um acidente de trânsito. Atendendo a um chamado do Dr. Borges, anestesista de plantão do Hospital Walfredo Gurgel, foi localizado e mais que depressa chegou ao centro cirúrgico, para aliviar o estrago que tão inesperadamente se abatia sobre mim e confortar a minha mãe, que se encontrava ao meu lado. Dias depois, com os hematomas nos meus olhos, reconhecia-o apenas pela audição. Com uma voz altiva e um senso de humor incrível, chegava para a visita como um grande comandante montado em seu cavalo, visitando o seu soldado ferido em batalha, animando-o e dizendo que em breve eu estaria plenamente restabelecido e que ele diminuiria a minha feiura e que até contrairia matrimônio.

Nos nossos inúmeros reencontros, sempre demonstrava por ele a minha eterna gratidão. Quis o destino que eu tivesse a oportunidade de devolver a ele a gentileza de ¨salvar¨ a vida dele, quando em uma das nossas viagens ele passou mal, na entrada de Lucena-PB, perdendo a consciência ao volante. Tratava-se de uma hemorragia digestiva alta descomunal, oriunda de uma úlcera gástrica. Rapidamente eu e sua legião de amigos o levamos a um posto de saúde, onde se encontrava uma ambulância do SAMU com a sua equipe de paramédicos. Pedi licença me apresentei e iniciamos uma corrida contra o tempo, usando os meus conhecimentos do tempo da UTI do Hospital Universitário, já tão esquecidos pelo tempo, encontrava as respostas para trazê-lo à vida e rezava para chegar ao Hospital da UNIMED. No outro carro, liderava a nossa corrida o grande Humberto Mendes. Pedia orientações por telefone e bravamente lutava para fazê-lo resistir. Entramos no Hospital e uma equipe já estava de prontidão à espera do nosso guerreiro que se submeteu a endoscopia de urgência e com uma precisão incrível o vaso que levava a sua a vida, finalmente era bloqueado. Ao seu lado permanecemos durante toda a noite, quando ele acordou e nos pediu para voltar para Lucena que a situação estava sob controle.

Américo era assim: dono de uma inteligência imensurável, de um dom para escrever de improviso, visto apenas nos grandes nomes da literatura brasileira. Deixou para os seus incontáveis amigos uma coletânea de palavras escritas em guardanapos, em papel de padaria, celebrando cada aniversário que era convidado, como se convidado ele fosse preciso. Dissecava como ninguém a alma do aniversariante, enaltecendo tão e somente, as suas virtudes, presenteando-o com o seu escrito, que se transformava instantaneamente no mais glamoroso dos regalos.

 Américo era assim: sempre envolvido com o esporte, jogava futebol, nadador, ciclista, triatleta, tenista, torcedor do América e grande defensor do Aeroclube. Durante anos dirigiu a Federação de tênis do RN. Na luta que travamos há décadas contra a indecência, sempre esteve ao nosso lado em defesa do nosso clube. Dono de uma grande rede de amigos, não se cansou a visitar a cada um em defesa da nossa instituição. Quantas vezes chegou ao meu lado e disse: ¨Fabinho, nós vamos sair desta¨. Querem transformar o nosso clube num monte de prédios. Dizia-me com os olhos mareados: ¨pagamos o preço por termos preservado esta área, que não valia nada e que agora vale ouro¨. E eu, sempre repetia: mas esta área nunca esteve à venda, Américo.

Falei ontem, em especial para os seus filhos. A eles me dirigi. A eles tentei de maneira muito modesta, embriagado com a mais profunda emoção, demonstrar o quão bom, competente e virtuoso era o seu pai. Que grande orgulho ter em seu DNA, a metade de um DNA oriundo deste talentoso cirurgião. Homem de inteligência inigualável soube escolher como ninguém, o complemento de DNA que agraciaram os seus dois filhos e que transmitirão para os seus netos, bisnetos e herdeiros. Sintam-se orgulhosos pois somos todos AMÉRICO.

Américo era assim: um embaixador nato da amizade e da bondade. Tinha trânsito livre em todas as nossas casas e certamente o Senhor, carinhosamente preparou a sua chegada com pompas e o ofereceu um passaporte diplomático, sem ser preciso que ele passasse pela alfândega, polícia federal ou imigração dos céus. Este passaporte é reservado para poucos. Apenas para os puros, para os caridosos, para os bondosos, para os que escolheram a riqueza do afeto e da amizade como a sua maior conquista. Nesta casa, que tantos querem entrar, que dinheiro não compra, o tapete vermelho te foi lançado e os violinos e trombetas enfileiradas anunciaram a tua’ chegada. Descansa em paz grande guerreiro e ora por nós, pois certamente a oração dos bons, do puros tem um canal de comunicação direto com o nosso salvador.

Fábio MacêdoMédico, professor da UFRN e Diretor do Aero Clube

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