CRIMES ECONÔMICOS I –

Atualmente, uma das grandes preocupações do direito e das autoridades brasileiras, sobretudo daquelas verdadeiramente preocupadas com o futuro do nosso país, é a investigação e a persecução penal da nossa velha conhecida “corrupção” e dos denominados “crimes econômicos”. Aceitando “impositivo” convite do meu amigo Ivan Lira, fui escalado para falar sobre essa temática no seminário “Inserções do direito penal econômico no quadro jurídico atual” do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN (dia 25 de maio próximo, às 9 da matina, se querem saber data e hora). O título dado à minha palestra é até pomposo: “Modernas técnicas de investigação dos crimes econômicos e as garantias constitucionais dos cidadãos e das empresas”. Meu amigo Ivan, mesmo contra minha vontade, sempre me arruma umas dessas.

Para preparar a minha fala, a primeira questão com que me deparei foi: que danado são crimes econômicos? Em outras palavras, quais crimes podem ser qualificados de “econômicos”?

Antes de mais nada, temos uma primeira conceituação de crimes econômicos que tem por referência o sujeito ativo do crime: os crimes econômicos, com base nessa referência, seriam os denominados “crimes de colarinho branco”. Para quem não sabe, devemos a origem dessa conceituação ao sociólogo e criminologista americano Edwin Hardin Sutherland (1883-1950) e, especialmente, à sua obra “White Collar Crime”, publicada em 1949. Segundo Sutherland, o delito de colarinho branco pode ser definido, basicamente, como um delito cometido por uma pessoa de respeitabilidade e alto status social no exercício de sua ocupação habitual. E daí decorreria, a contrário senso, que o crime de colarinho branco não poderia ter como sujeito ativo um integrante das classes ditas populares. Sem dúvida, Sutherland teve um grande mérito: o de chamar a atenção para um outro tipo de criminalidade – os tais “crimes de colarinho branco” – que não eram pensados, muito menos estudados, como crimes, àquela época. Ademais, ele rompeu com uma tradição que defendia estar a criminalidade associada à pobreza ou a patologias sociais ou pessoais. Pessoas de padrão socioeconômico elevado também praticavam crimes, deixou-se claro; crimes não são “privilégios” só dos pobres. Entretanto, embora os estudos de Sutherland tenham sido importantes para o estudo do tipo de criminalidade de que ora tratamos, é evidente que esse tipo de conceituação esbarra em dois problemas claros: (i) nem todos os crimes econômicos são praticados por pessoas social e economicamente favorecidas, sendo perfeitamente factível que um sujeito ativo desse tipo de crime não possua tal condição; (ii) pessoas social e economicamente privilegiadas podem cometer qualquer tipo de crime, inclusive os considerados “não econômicos”.

Doutra banda, a delimitação do que são crimes econômicos pode também ser realizada a partir de um ponto de vista estritamente formal, com base na simples definição legal de um crime como tal. Já que o princípio da legalidade (ou da reserva legal, como querem alguns) – disposto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal – afirma que “nullum crimen, nulla poena sine lege”, essa lei necessária, em algum momento, deve afirmar (ou mesmo sugerir) o pertencimento da conduta/crime ao ramo direito penal econômico. Seria certamente o caso, por exemplo, de uma penca de crimes que temos contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/96). Mas aqui também não se está imune a críticas. É evidente que uma definição por intermédio da legislação é de grande valia para uma melhor sistematização e uma maior precisão do que sejam os crimes econômicos. Todavia, mesmo pressupondo uma boa técnica legislativa (que frequentemente não é o caso do Brasil), a conceituação baseada nesse critério legal padece de um simples mas sério problema: alguns delitos, essencialmente econômicos, por opção ou esquecimento legislativo, podem ficar fora do alcance dessa conceituação estritamente legal. Basta que a lei, formalmente, os classifique diferentemente.

Ao que tudo indica, trabalhar com um conceito material de crimes econômicos, partindo da ideia do bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico, é a melhor opção. Partindo deste novo referencial, os crimes econômicos seriam aqueles que visam proteger (com a sanção prevista para a prática da conduta, evidentemente) a ordem econômica planejada, regulada e controlada pelo Estado soberano. Em outras palavras, (visam proteger) as estratégias e opções adotadas pelo Estado para conduzir a economia. Essa ordem econômica, registre-se, deve ser enxergada tanto sob o ponto de vista jurídico como pelo prisma econômico. Numa interdisciplinariedade com o direito, é a macroeconomia, planejada e conduzida pelo Estado, que aponta as atividades que necessitam de uma tutela especial, no caso penal. Assim, tecnicamente (ou restritivamente), os tipos penais que visam proteger direitos individuais econômicos – como uma penca de crimes contra o patrimônio que temos em nosso Código Penal, a exemplo do furto (art. 155 do CP) e do roubo – não devem ser considerados como crimes econômicos, mesmo que, no caso concreto, tenham uma repercussão coletiva. Há de haver um plus que vá além do individual (ou mesmo “social”) econômico. Algo macroeconômico, relacionado à tal ordem econômica, aqui entendida como o planejamento e a organização econômica da vida em sociedade. Decorre daí um conceito material restritivo de crimes econômicos. Acuradamente proposto por Andrei Zenkner Schmidt (no texto “A delimitação do direito penal econômico a partir do objeto do ilícito”, que faz parte da coletânea “Direito Penal Econômico: Crimes Financeiros e Correlatos”, publicada pela Saraiva em 2011), os crimes econômicos seriam, assim, os ilícitos penais relacionados à proteção supra-individual dos valores dessa ordem econômica: leia-se aqui a política econômica “strictu sensu” e as políticas de rendas, monetária, fiscal e cambial, que o Estado resolveu, especial e penalmente, também proteger.

Bom, e no direito brasileiro, tomando como base esse conceito material de crimes econômicos, quais seriam então os tipos penais, previstos expressamente em nossa legislação (lembremos: “nullum crimen, nulla poena sine lege”), que poderíamos classificar como econômicos? Aqui rogo um tiquinho de paciência. Por falta de espaço, a resposta a isso eu só darei na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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