CÂMARA CASCUDO, UMA FORMA PRAZEROSA (BRASILEIRA) DE LEITURA –
Luís da Câmara Cascudo, nosso mestre maior da cultura popular, fez de Natal o cenário de vida e sonhos, para si e para seus fabulosos personagens, que revelam a história do Brasil de forma didática e na dinâmica pitoresca do folclore. O escritor e pesquisador potiguar Rostand Medeiros, em obra biográfica, fez alusão ao pai de Câmara Cascudo, que, em 1894, já alferes de polícia, saía em combate aos cangaceiros que assolavam as terras paraibana e potiguar, numa delas, culminou com o cerco e morte do terrível Moita Brava. Muitos povoados e corruptelas, sitiados por impetuosos e irascíveis cangaceiros, tiveram no Tenente Cascudo e sua volante a salvífica reação do Estado naqueles tempos anárquicos de ordem nas lonjuras esquecidas do sertão. O próprio Câmara Cascudo sairia pelo sertão tempos depois a conhecer o cenário que fazia emergir tantas histórias de fundo dramático ou, por extensão, na linha do vozerio ficcional popular.
 
A neta de Câmara Cascudo, e presidente do Instituto Ludovicus, Daliana Cascudo, disse-nos que o avô não só entrou para a Academia Brasileira de Letras, pois sequer tinha vezo de ir ao Rio de Janeiro, então capital do país. Seu tempo precioso se circunscrevia no solo natalense, no seu adorado torrão potiguar. Abraçou o povo brasileiro abraçando o povo do Rio Grande do Norte. Cascudo espalhou teses essencialmente brasileiras, do ritmo e da fabulação, do conto e da mise en scène maior, em páginas pedagógicas e lúdicas, por excelência; modelares processos culturais sincréticos, como o maracatu, o bumba meu boi, a cantoria, o samba de roda. Deu relevo às origens dos nossos mitos e lendas saídos do imaginário notadamente dos folhetins, o cordel, relidos pelo pobre brasileiro da roça. Sua obra maior, o Dicionário do Folclore Brasileiro, texto monumental que fez enlear as narrativas brasileiras, como registrou o jornalista Nelson Freire, além de ser os textos de Cascudo, uma forma gostosa de se ler! Também o escritor Diógenes da Cunha Lima ao chegar a Natal em tenra idade, seu pai, leitor voraz, disse-lhe: “Procure Cascudo. Câmara Cascudo é um rio, o resto é tudo riacho”. Nunca mais esse prolífico escritor da terra potiguar deixou de “beber na fonte” do magno promotor cultural. Cunha Lima ainda seria aluno de Cascudo na cadeira de direito internacional público na Faculdade de Direito de Natal.
Eu, carioca, começando as letras nos anos sessenta, guardo até hoje o, tantas vezes compulsado, Dicionário de Cascudo, como meu pai, Antônio, ainda se referia a que a obra deveria justamente se chamar: Dicionário Cascudiano de Brasilidade. E desse modo, igualmente, passei a beber na fonte brasileiríssima, a partir do ensinamento dessa leitura paterna.
Luiz SerraProfessor e escritor
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