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ATRIBULAÇÕES NUM DOMINGO –

Madruguei pensando em João Cabral (que vi de longe, quando era menino): “E como faca que é / fervorosa e enérgica / sem ajuda dispara / sua máquina perversa : a lâmina despida / que cresce ao se gastar / que quanto menos dorme / quanto menos sono há.”

Mas a criança cresce e a necessidade de isolamento, também. Como diz Martha Medeiros, chega uma hora que é injusto você ficar com uma gaveta a menos só porque utiliza cabides a mais . Que fazer  Nada, porra, só segurar a barra.

O dia amanheceu , aquele tempinho escuro, aquela garoa pentelha de agosto que , a maioria das vezes , me deprime e , paradoxalmente , me lembra Londres . Vi “ O processo de Viviane AmSalem “ ( um belo filme Israelita ): 1X0 . Dei uma rolé no supermercado em busca de acepipes e saí com , fortuna minha , entre outras frivolidades , um frasquinho de angostura , e algumas folhas de mostarda: 2X0. Me larguei pro bosque , andei uma hora , mais uma corridinha de exatos dez minutos , o coração saindo pela boca.

Voltei. Preparei um “Manhattan”, agitado bastante na coqueteleira, com a minha fórmula preferida : 25 ml de vermute doce , 50 ml de Bourbom ( Jake Daniels ) 5 gotas da bendita angostura , gelo , e uma cereja pra dar o charme , aquele toque de classe , média . Bem antes de amolecer as panturrilhas , redigitei parte do “Andante Largo” de Sor ( um desafio, ainda bem e sempre , renovado ). Reli, obra de meia hora, “O Cabeleira” de Franklin Távora , cearense de Baturité que viveu em meados do século XVIII.

Enchi o saco e bateu a fome . Mais dois “Manhattans” e do almoço, o “main course”, salada de mostarda, fava branca curada há três dias com charque, linguiça de Caicó picada, e tripa cozida, na gororoba . Como acompanhamento farofa de banana, a la Ana Virgínia. Sim, e chupei uma lima da Pérsia: Mais um gol ! E, numa rede, caí em sono pesado, pensando nele de novo: “ Que a imagem de uma faca / entregue inteiramente / à fome das coisas / que na faca se sente / Cujo muito cortar / lhe aumenta mais o corte / E vive a se parir em outras , como fonte .”

José DelfinoMédico, poeta e músico

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