Minha adorada mãe repetia à exaustão esta ladainha: “Seus verdadeiros amigos são seus país e irmãos, pessoas com quem vocês contam a qualquer hora. Amigo é aquele que fica para ajudar quando todo mundo se afasta”.

Exagero à parte, a sabedoria materna aduz a decepções constatadas no cotidiano da vida como ela é. Existem sim, amizades duradouras e confiáveis fora do âmbito familiar. Existem aqueles amigos de comunicação esporádica, contudo de presença perene na lembrança da gente.

Amigos, cuja amizade aparenta amornar com afastamentos prolongados, mas que o calor do abraço do reencontro aflora a afeição de antes. Os amigos da infância e dos bancos escolares raramente decepcionam, e não é à toa que os meus ocupam espaços de destaque em quaisquer das listas de pessoas queridas.

Deles guardo, no álbum de recordações das amizades, os retratos sentimentais que a memória protege do esquecimento. Recorro amiúde ao repositório dessas reminiscências a fim de atenuar o excesso de saudade.

No meu caso, a maioria dos amigos de infância habitava uma mesma área contida num círculo de raio não superior a 300 metros. As famílias se respeitavam e se visitavam. Os pais identificavam a todos pelos nomes próprios, não pelos apelidos, e conheciam as virtudes e as falhas (falhas?) de cada um deles.

Eles, por sua vez, se faziam merecedores dessa deferência, jamais esquecendo de acrescentar “seu” ou “dona” ao nome de cada pai ou mãe do amigo. As recordações do convívio com essas criaturas queridas fazem-me sorrir sozinho em momentos de contemplação.

Alguns já encetaram a derradeira viagem; outros, ainda pelejam nas campinas da existência pela manutenção ou concretização dos sonhos. Seus nomes, por egoísmo, não os declino.

Dois desses amigos viviam às turras. O falecido, leitor contumaz de almanaques da época, desfrutava o prazer de testar nosso conhecimento com perguntas de bolso para ridicularizar qualquer incorreção nas respostas.

O outro, tipo grosso-ternura, nunca foi afeito aos estudos. Leu ou ouviu, em algum lugar, algo sobre “Pompéia ser riscada do mapa pelo Vesúvio”, e quis saber: ”O que é Vesúvio?”. O falecido, sabedor dos limitados conhecimentos gerais do colega, esclareceu a dúvida: “Vesúvio são os pássaros que voam mais alto!”.

Gozação geral. O tempo passou e uma armadilha foi montada para dar humildade ao sabichão. Na época, era sucesso uma regravação de “Jura”, música de Sinhô, de 1929, com a maliciosa alusão sexual contida num dos versos da letra da canção: “…daí então, dar-te eu irei/ o beijo puro NA CATEDRAL DO AMOR”.

O falecido caiu na tolice de perguntar onde ficava a CATEDRAL DO AMOR na anatomia feminina. O grosso-ternura, instruído pela turma, respondeu: “Na testa, local onde se situa o cérebro que abriga toda a beleza da sabedoria humana!”.

O desfecho desse caso ocorreu num dos vesperais domingueiros do Aero Clube de Natal. O almanaquista-falecido, após longo flerte, usufruía os louros de uma difícil conquista dançando sob o olhar severo da família da moça.

Soubemos depois os detalhes do infeliz diálogo que ele protagonizou com a beldade: “Já que estamos nos entendendo tão bem, posso te fazer um pedido?”. “Depende do pedido!” – respondeu a jovem entre manhosa e provocativa. “Desejo dar-te um beijo NA CATEDRAL DO AMOR!” – foi o apelo.

Perplexo, o conquistador viu-se empurrado e largado sozinho no meio do salão, não sem antes ouvir o destempero da ex-futura namorada: “Dê-se a respeito, seu nojento!”.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

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