A  VELHINHA  DOS BISCOITOS –

Em nossos encontros semanais, para bater um papo descontraído, discutindo as mazelas da vida, lugar melhor não existe: mesa de bar. Escolhemos a histórica e memorável Confeitaria Atheneu, lugar que nos traz lembranças ricas e saudosas da época de ainda adolescente, quando frequentava as salas de aula do  inesquecível e centenário Colégio Estadual do Atheneu Norte-Riograndense.

Esses momentos se comportam como verdadeiras terapias grupais, que faz esquecer os cansados e longos expedientes de trabalho rotineiros.

Ambiente divertido, com trocas de conhecimentos, de culturas diversificadas, acompanhado, vez por outra, do som afinadíssimo do violão do maestro ceará-miriense, Tita. Como é, também, lugar de passagem de transeuntes vendedores ambulantes, oferecendo as suas mais diversificadas mercadorias; sem falar daqueles que aproveitam o momento etílico sentimental de alguns para pedir e colher um trocadinho para comprar o remédio do filho doente, para enterrar mãe ou para visitá-la no interior do Estado.

Somos, na verdade, assediados por um exército de: engraxates, de lavadores de carro, vendedores de tapioca, de cuecas, de trufas, de pano de pratos, de biscoitos, raivinhas de goma com coco, de rádios e lanternas chinesas de vidas efêmeras ( bem diferente do duradouro vírus chinês).

Em certa ocasião, nesse mundo de relaxamento etílico, já cruzando algumas doses de uísque, somos interrompidos por uma senhorinha pra lá dos setenta, de corpo franzino, carregando uma cifose cervical e torácica bem pronunciadas, apoiada e presa por uma bengala na mão direita, se locomovendo com lentidão e dificuldade. Oferecia uns apetitosos bolinhos de goma (raiva). Conduzia alguns sacos, parecendo não ter conseguido vender, até aquele momento, nada. Vendo aquela cena comovente, me compadeci da senhorinha septuagenária e lhe perguntei: quantos sacos a senhora tem aí?

— Tenho todos ainda, não vendi nenhum!

— Tragam todos e espalhem em cima da mesa e diga quanto custa, que quero comprar tudo. A senhorinha deu um sorriso de anjo chegando ao céu, e disse o preço, que foi imediatamente pago. Logo, fiz a distribuição para todos da mesa, em quantidade bem satisfatória.

Operação realizada, volto para a anciã vendedora ambulante e falo:

— A senhora agora já pode ir para a sua casa tranquila e dormir feliz pela boa venda que fez. Boa noite!

Para surpresa de todos e maior ainda para a minha, veio a resposta:

       — Não! Não, senhor! Vou vender o resto que ainda tenho; são dois grandes sacos guardados, só vou para casa lá pela madrugada com o raiar do sol. E saiu faceira, apoiada na bengala, como quem dizendo em baixa voz: peguei mais esse besta!

Coisas de mesa de bar! Não tem igual!l

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *