2020: ANO QUE NÃO EXISTIU –

Zuenir Ventura insinuou e a história corroborou ter sido 1968 “o ano que nunca acabou”. O escritor analisa como a série de movimentos e acontecimentos marcantes na cultura, na política e na rebeldia dos jovens, aliados à guerra no sudoeste asiático e outros fatos de destaque naquele ano podem ter refletido no mundo atual.

Tais ações estão configuradas na retomada da guerra entre os Estados Unidos e o Vietnã do Norte, registrada na foto do chefe da polícia de Saigon, Nguyen Ngoc Loan, executando o oficial vietcong Nguyen Van Lém. Na manchete do New York Times: “Martin Luther King foi assassinado em Menphis”; e, no clamor do Daily Mirror: “Deus! De novo, não!” – numa alusão ao homicídio de Robert Kennedy.

Na passeata das 100 mil pessoas marchando pelo centro do Rio aos gritos de “Abaixo a ditadura. O povo no poder”; na prisão de cerca de 1000 participantes do Congresso Nacional de Estudantes, em Ibiúna-SP; e, na atitude de atletas medalhistas da XIX Olimpíada, no México, ao subirem ao pódio com o braço erguido e a mão fechada vestida numa luva preta num sinal de protesto dos Panteras Negras.

1968 foi um ano especial por conta da sucessão espetacular de movimentos estudantis consignados em protestos no Rio de Janeiro pela morte do secundarista Édson Luís Evandro Teixeira; nas ações do líder estudantil Daniel Cohn-Bendit, nas ruas de Paris; e, na manifestação democrática, no centro de Praga, ensaiando arejar o comunismo ortodoxo sendo sufocada por tanques soviéticos.

Na exibição dos filmes A Noite dos Generais, À Queima Roupa e Uma Odisseia no Espaço e, na estreia, na Broadway, da peça Hair. No lançamento da canção “É proibido proibir”, de Caetano Veloso, e do hino “Para não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré. Também, no protesto com vaias a Tom Jobim e a Chico Buarque pela autoria da música “Sabiá”, no Festival Internacional da Canção.

Como não bastasse tantos acontecimentos marcantes, ocorreu o primeiro transplante de coração da América Latina pelas mãos do médico Euryclides de Jesus Zerbini no Hospital das Clínicas de São Paulo e coube a Jarbas Passarinho celebrizar o AI-5 na frase: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”, durante reunião ministerial.

Teve ainda a manchete do Jornal do Brasil de 14 de dezembro: “Tempo Negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38 graus, em Brasília. Mín.: 5 graus, nas Laranjeiras” – dando ciência aos leitores da publicação do AI-5 de forma cifrada em razão da imprensa censurada.

Vivenciamos a metade de um ano que se perderá no calendário da humanidade e, em particular, no do Brasil. Sumirá porque começou a se extinguir após o Carnaval com a interrupção do período letivo de todos os níveis de ensino. Porque o cristianismo não celebrou a Semana Santa nem o Corpus Christi e no impedimento dos festejos do tríduo junino (Santo Antonio, São João e São Pedro).

Decerto não se evocará o Dia da Independência nem se votará na eleição marcada para o mês de outubro. Perdidos estão os empregos oferecidos por indústria e comércio soterrados pelo apagão do país ante a pandemia viral. No campo da economia, a trilha do Brasil será a mesma da recessão global de crescimento nulo.

Restará tão somente o Dia de Finados para reverenciar as memórias de milhares de mortos pela ação implacável da Covid-19. A triste realidade é que 2020 desapareceu ainda no nascedouro, caso suscitada ocasionalmente a lembrança dele será em decorrência do alarmante número de covas rasas escavadas em solo brasileiro.

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Uma resposta

  1. E como não há nada tão ruim que não possa piorar, aqui no nosso Brasil, temos uma guerra política que parece não ter fim. Há também as já famosas fake news. Pra enfrentar a covid se faz necessária a união de todos, mas isso se mostra a cada dia mais difícil. Só resta rezar.

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