VIU NA MADRUGADA… –
O dia amanhece, apesar do sol que insiste em desvirginar as frestas da sua janela, parece-lhe, ainda assim, um tempo nublado, com céu cinza e nuvens carregadas de prantos.
A moldura que estampa aquela janela, a mesma que a fita com o sorriso amarelo, tem pinturas multívagas, que dançam numa miscelânea diacrônica de cores exuberantes, inquietas, que a alegram, mesmo quando a entristecem.
Projeta as gotas salgadas que encheram sua madrugada em anotações mentais, repensando cada espaço de tempo ao qual foi arremessada, repassando numa desordem cronológica, como em flashes seguidos de vácuos de sentidos.
Os pingos de chuva, o cheiro da terra molhada, as calhas imitando cachoeiras, estão para os dias nublados, assim como as canções de amor para os apaixonados. São eles a trilha sonora que toca a alma e dissipa as nuvens que sombreiam e encharcam becos e vielas.
Sim, tempos nublados trazem ventos frios, lembranças e, acima de tudo, o resfolegar das esperanças escondidas em cada gota de lágrima, que rega e colori o jardim dos sonhos.
*Texto da Antologia Exercícios Literários (Café&Poesia) página 120, organização do escritor Raí Lopes, editado pela Sarau das Letras-2021.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]
