UM FENÔMENO POR DEMAIS ESTRANHO –

Um dos mais perturbadores fenômenos psicopatológicos entre os mais variados sofrimentos psíquicos trata-se do fenômeno chamado de alucinação. Que vem a ser a certeza e a convicção que o paciente que está tendo alucinação tem, de estar vendo ou ouvindo objetos ou vozes, que na verdade, não podem nem ser vistos nem ouvidos pelos sentidos (olhos e ouvidos) de outro humano que não sofre de uma patologia mental.

Um dos primeiros psiquiatras a dar uma definição sobre o fenômeno alucinatório foi o francês Esquirol, quando em 1838, em seu tratado sobre as doenças mentais, bem ao estilo (de escrita) da época escreveu que a alucinação ocorre na medida em que “um homem tenha a convicção íntima de uma sensação de ver um objeto, ao passo que na ausência de um objeto exterior capaz de provocar tal sensação, não está na posse de seus sentidos, está em um estado de alucinação”.

Traduzindo seria a percepção de ver um objeto, sem que o objeto de fato exista. Ou ouvir vozes, quando de fato não há vozes do ponto de vista material. Do ponto de vista técnico,  a alucinação seria manifest ações psicopatológicas da esfera da Sensopercepção. Entendendo Sensopercepção como uma mescla entre senso-sensação-sentido (tato, olfato, visão, paladar e audição) e percepção (algo da esfera da consciência).

O debate que se seguiu entre os especialistas implicados com a saúde mental, desde o inicio da psiquiatria (especialidade da Medicina) com Philippe Pinel na França, passando pelos psicólogos, a partir do surgimento da psicologia enquanto ciência, com os psicanalistas e desaguando com a chamada neurociência, não cessou de crescer buscando uma forma de explicar a origem (etiologia) de tal fenômeno.

Já na origem se tentou delimitar que o fenômeno alucinatório teria sua origem no cérebro (parte física, massa encefálica), enquanto que para outros a origem residiria na parte psíquica (não física), e ainda para alguns (em menor numero) no olho (retina, no caso da alucinação visual) ou no ouvido (alucinação auditiva), dividindo especialistas. O fenômeno, portanto seria físico ou mental?  Ou um misto?

Com relação à hipótese etiológica derivada do olho físico ou do ouvido, aos poucos foi caindo por terra na medida em que os casos de pacientes cegos e surdos começaram a surgir mostrando que os mesmos também eram passiveis de alucinações tanto visuais quanto auditivas.

Um volume imenso de literatura sobre o assunto já foi produzido estando à mão do interessado. No entanto, hoje, podemos afirmar que a alucinação é uma espécie de “medidor” sobra à prova da realidade. Como escreveu o psiquiatra e psicanalista Juan David Nasio, na alucinação “a prova da dita realidade através do eu-consciência parece ter sido abolida, ou seja, a função da realidade como um dispositivo da superfície do eu, capaz de delimitar e distinguir o dent ro do fora está abolido”.

Do ponto de vista da psicanálise, desde Freud, a alucinação parece tomar o caminho de um fenômeno psíquico. Para tanto podemos partir da compreensão da estrutura mental para Freud. Ou seja, para ele, a maior prova da “realidade” psíquica podia ser encontrada no sonho. Vejamos: durante o sonho, do ponto de vista sensório, dos sentidos, os olhos (físicos) estão fechados, e, no entanto, quando sonhamos “vemos”. O nosso eu-consciência está adormecido, desligado do mundo físico , e, no entanto, há uma “consciência” que sonha. Logo, aquele que dorme, não pode ser o mesmo que sonha. A partir dessa constatação, o sonho para Freud, passa a ter a estrutura de uma alucinação.

Para o neurologista vienense e pai da psicanálise, a certeza do nosso sonho, a certeza das imagens oníricas, podia ser comparada à certeza da alucinação (daquele que ouve vozes, ou ver imagens/objetos) do sujeito alucinado. O velho Freud, por mais que queiramos enterrá-lo, continua vivo como um “fantasma”.

Laurence Bittencourt – jornalista e psicólogo

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