SE PENSO, EXISTO –
Ainda guardo saudosa lembrança da leitura descontraída da coluna de Millôr Fernandes na revista Veja, onde ele explorava sua veia jornalística satírica sob o título “Livre pensar é só pensar”. Ali ele obtinha resultados extraordinários dando dupla interpretação às suas ideias num fabuloso processo criativo de jogo de palavras.
Desconsideremos a vertente filosófica ou política da expressão “livre pensar” e nos atenhamos ao significado literal do termo. Se pusermos racionalidade e ordenamento ao livre pensamento, então encontraremos o segredo do êxito da produção literária de quem se intitula um pensador liberto de amarras.
Falo de indivíduos possuidores da mesma verve criativa de Millôr, desprovidos de vínculos ou conotações político-filosóficas guardando fidelidade apenas ao resultado decorrente do processo de dar asas à imaginação. O livre pensar é atributo inerente a qualquer ser humano normal.
Entretanto a abrangência do universo criativo fica limitado, na sua essência, ao grau de conhecimento ou inteligência de cada indivíduo. Se imaginar é a palavra-chave e soltar a imaginação é dar vida a ideias, então imaginemos. Comecemos perguntando como estaríamos caso Cabral houvesse acertado o caminho para as Índias.
Certamente não seria Brasil o nome da nação descoberta na época e o nosso país teria um processo de crescimento vagaroso com as suas reservas naturais de ouro e de diamantes preservas. Lisboa, ante os efeitos do terremoto de 1755, não seria a mesma sem o butim escancarado contra o tesouro mineral nacional.
Consideremos, pois, o fato consumado do desembarque lusitano no Brasil, em abril de 1500, qual seria hoje nossa situação caso a comitiva de D. João VI, em 1807, tentando fugir para a nova colônia, ficasse prisioneira de Napoleão Bonaparte no porto de Belém?
Cheguemos a 1889, seguindo o curso natural da história do país. E se a crise de dispneia houvesse impedido o marechal Deodoro da Fonseca de sair da cama no dia 15 de novembro? Seríamos ainda uma monarquia? Rui Barbosa, Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva veriam a república federativa consolidada?
E se o golpe de 1964 fracassasse? Então não aconteceria, em março de 1983, a conversa entre João Havelange e o presidente Figueiredo, quando lhe foi oferecida a Copa do Mundo para o Brasil: “Você conhece uma favela do Rio de Janeiro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro em estádio de futebol?”.
E se Tancredo Neves vencesse a diverticulite e assumisse a presidência do Brasil, por onde andariam Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro?
Se Cabral houvesse aportado nas Índias não seria eu a azucrinar vocês com estas linhas; não faria a menor ideia onde eu estaria, sequer, se aqui seria o meu berço. Se os rumos fossem outros, guardo a certeza de jamais renegar minha condição de cidadão desta terra, embora ansiando viver num país com uma classe política menos desacreditada.
Tudo isto é especulação, né! Afinal, segundo o filósofo e físico francês, René Descartes: “Penso, logo existo”
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil
