Existe um lugar-comum nas interpretações sobre a canetada de Emmanuel Macron para impor a reforma da previdência na França sem aprovação da Assembleia Nacional: o presidente francês se enfraqueceu e está isolado, quando ainda restam mais de quatro anos de mandato. Insistiu num projeto que é rechaçado por 70% dos franceses ao constatar que também estava em desvantagem na Assembleia Nacional.
Macron e sua premiê, Élizabeth Borne, esperavam a adesão de pelo menos 35 deputados do partido Republicanos. Mas constataram que o apoio viria de 28, insuficientes para alcançar a maioria dos votos. Entre perder e perder, o presidente assumiu o risco de enfiar a reforma goela abaixo dos franceses, sob o argumento de preferir o mau humor público a um possível rebaixamento das agências classificadoras.
O que vem a seguir, além da demonstração da raiva popular que se viu nas ruas logo depois que o artigo 49.3 foi acionado? O governo conta com o cansaço de greves, após mais de dois meses de protestos, para acalmar os ânimos de quem terá a aposentadoria postergada de 62 para 64 anos.
Mais uma vez, o presidente renovou a sua fama de arrogante. Não conseguiu convencer a opinião pública de que os franceses ainda estão em vantagem em relação aos demais europeus, que se aposentam bem mais tarde. Seus sólidos argumentos de que 15% do PIB do país são consumidos com pensões e que a reforma seria o primeiro passo para frear o déficit caíram no vazio.
A oposição se articula para tentar uma moção de censura ao governo, que, para derrubá-lo, deve ser apoiada pela maioria dos deputados da Assembleia Nacional. Ainda que Macron não tenha conseguido os votos necessários para aprovar a sua reforma previdenciária, dificilmente sairia perdedor numa eventual moção de desconfiança ao governo.
Ou seja, restam poucas dúvidas de que a reforma vingará. Porém, ao invocar o artigo da Constituição que pode ser utilizado quando um governo não tem a maioria no Parlamento, Macron optou pelo modelo autoritário e se distanciou dos franceses. Utilizou-se de um instrumento legal, mas contestado, sobretudo na aprovação sumária, sem a votação pela Assembleia, de um tema que é caro para a população.
