O sujo e o mal lavado –
David Alcolumbre e Rodrigo Maia costumam chamar Bolsonaro de autoritário. Como se fossem feitos de argila distinta. Nunca vi, por exemplo, ambos protestarem contra o fato do ministro Lewandowski juntamente com o ex-senador Renan Calheiros terem rasgado a Carta Magna. Através de uma “pedalada” jurídica mantiveram os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff embora isto fosse proibido pela Constituição de 1988. Como disse Alan Feuerweker, no Brasil “a pessoa acorda de manhã sem saber que trecho da Constituição está vigorando”. Mesmo assim, muitos são os que insistem em dizer que vigora no Brasil o Estado Democrático de Direito.
Alcolumbre está preparando uma nova “pedalada” jurídica. Quer se reeleger embora a reeleição, em uma mesma legislatura, seja, claramente, vedada pela Constituição em seu art. 57, § 4º. O próprio Regimento Interno da Casa no artigo 59 reforça a proibição constitucional. Alterar este Regimento não teria força para suplantar a Constituição Federal. Aprovar uma nova Emenda Constitucional é inviável, politicamente, em época de pandemia.
A ousada alternativa encontrada pelos parlamentares é tentar aplicar, por analogia, a regra a cargo do Executivo. Como o Presidente da República e governadores de estado podem se reeleger, o mesmo valeria para Alcolumbre e Maia. Não sou jurista, mas aprendi que o recurso à analogia só é viável quando não há regra específica a disciplinar determinada situação. O que não é o caso, pois existe norma específica como citada acima. Estará valendo este trecho da Constituição?
A questão será judicializada e caberá ao STF decidir pela (i)legalidade da “pedalada”. Alcolumbre prepara há um bom tempo sua cama. Senta em cima de vários pedidos de impeachment de ministros do STF. Ferindo os ritos da democracia e com consequências danosas para a mesma. No Brasil há pseudo-democratas em abundância. Na nossa semidemocracia, o sujo costuma falar do mal lavado.
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. Autor do livro “FHC, Forças Armadas e Polícia – Entre o Autoritarismo e a Democracia” (2005, ed. Record)
