O VAQUEIRO DE DEUS –

“Jurema unha-de-gato / Cipó-de-boi macambira / Riacho rio regato / Caipora ou curupira / Nunca me fizeram medo / Quer saber o meu segredo? / Era e sou a Deus temente! / Com fé Nele eu avançava / E nada me assombrava.” (Estrofe do poema ‘Homenagem aos Vaqueiros’, de autoria de Carlos Aires, em Recanto das Letras)      

Se fosse possível começaria esse artigo reproduzindo o aboio de um vaqueiro tangendo o gado no sertão. Como as letras não têm sons por si só, resta-me dizer que o aboio é um canto triste, num linguajar próprio, tipo um lamento, entoado em forma de “hipnotismo” utilizado como uma ordem pelos vaqueiros quando conduzem uma boiada.

O vaqueiro e o gado formam uma simbiose perfeita. Na lida diária o vaqueiro tem que arrebanhar e conduzir o gado para a pastagem ou para os barreiros d’água, no vai-e-vem rotineiro e quase “familiar”, pelo conhecimento de cada rês e estas pelo canto do vaqueiro. O tratamento é “pessoal”: Malhada, Pretinha, Boi Manso, Refogo, Galope, Mimosa, enfim, um sem número de apelidos.

O trabalho do vaqueiro é árduo. Além do trato com o gado, passa parte do seu  tempo montado a cavalo percorrendo as veredas, verificando as cercas, localizando pastagem e água boa para os animais da fazenda.

Quando uma ‘cabeça’ (uma vaca, um boi) se afasta das demais e se perde na caatinga adentro, lá se vai o vaqueiro corajoso na sua montaria, com cela bem firme, rédeas e cabresto na sua busca. Ele vestido com seu gibão, perneira, chapéu de couro, corda e bornal com água, se embrenha na mata confiando em sua experiência e levando a certeza, não importando o tempo, que trará ‘Malhada’ ou ‘Mimosa’, de volta para o curral.

Cabe aqui esclarecer que o tipo étnico do vaqueiro, remonta ao período da penetração do gado pelo sertão nordestino quando eram maneados pelos colonizadores em parceria com os índios serviçais.

Dada as pinceladas sobre o que é um vaqueiro, valoroso por suas vestes e valentia, me debruço agora para contar um pouco da história, vida e legado do vaqueiro João Maria, que aqui o denomino de ‘O Vaqueiro de Deus”.

João Maria chegou em Ceará-Mirim/RN, para a localidade chamada de Inhandú, no final do século XIX, vindo da região da Serra das Almas, em Crateús/CE, fugindo da seca. Com ele trouxe seus filhos Venceslau Maria de Aniceto, Maria (conhecida como ‘Maria Vaqueira’), Francisco Maria e José Maria. Se assentaram nas terras do Padre Costa, que depois passou a pertencer ao Sr. José Varela Cavalcanti Barca, que posteriormente foi vendida para terceiros.

Pois bem! É sabido que João Maria, lidava com outras atividades nestas terras e, aos poucos, pelo convívio diário do manejo do gado pelos vaqueiros de então, foi acompanhando a rotina do pelejar com o gado e começou a gostar.

Só que João Maria, assim se comenta, não era afeito nem dispunha das vestimentas dos verdadeiros vaqueiros. No entanto tinha um diferencial que lhe era próprio: a capacidade de “investigar” e da habilidade em procurar a vaca ou o boi desgarrado do rebanho. Seus arreios e cabrestos eram simplesmente sua fé e sua astúcia em conhecer cada pedaço da terra que pisava.

Conta-se que desaparecia nas veredas da caatinga, sem montaria e sem gibão e, dias depois, voltava trazendo a rês na imaginária corda tecida unicamente pela oração e confiança na ajuda da santa de sua devoção – Nossa Senhora de Lourdes. Alicerçado na fé, sua ‘coragem’, seguia pegada por pegada, até encontrar a desgarrada e, sob a benção de Deus, chegava de volta à fazenda, cansado, estrupiado, mas com o sorriso dos ‘heróis’ pela missão cumprida.

Sua fama (que ele desconhecia) foi ecoando nas vizinhanças e, quando qualquer animal se perdia, se recorria ao vaqueiro ‘diferente’, humilde, João Maria, para com suas rezas trazer o bicho estimado.

João Maria um dia saiu em missão e não retornou. Foi encontrado distante do local da fazenda, por cerca de 20 km, numa região de mata hostil, dita Caratã, em Primeira Lagoa, dentro do município de Ceará-Mirim. Era comum se encontrar animais selvagem, tipo onça parda, como a Sussuarana, nas matas da região. Ali, próximo a um pé de  Mandacarú, estava João Maria, sem alma e sem sopro, apenas um filho de Deus, devoto das buscas impossíveis, sem vida.

Dali em diante, foram se achegando ao local onde foi encontrado e passaram a rezar e a pedir a intercessão do vaqueiro, para auxiliá-los na busca de animais e outras coisas perdidas. As graças foram acontecendo e um grande número de pessoas, que vinham dos mais diversos “distantes”, aportavam para agradecer e renovar os pedidos ao vaqueiro João Maria.

Até hoje se avolumam romarias e celebrações por novas causas e agradecimentos por graças alcançadas, inclusive por curas de enfermidades, entre outras. Sempre no mês de janeiro, no dia 4, se celebra uma missa no cantinho em que o vaqueiro João Maria foi encontrado. Lá existe uma cruz de madeira que sinaliza a fé e a dedicação do ‘Vaqueiro de Deus’, sendo hoje um local ‘sagrado’.

João Maria, o ‘Vaqueiro de Deus’, fez de suas rezas e de suas ações, um caminho até Deus. E nesta vereda ele leva o pedido que você faz e traz a graça que você precisa.

O Senhor te abençoe, ‘Vaqueiro de Deus’!

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

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