O RONCO DO CABO –

O tempo passa, as recordações  afloram e retornam.

Quando entramos na “calmaria” cerebral, a mente   começa a desferir “besteiras” e ativar a mente trazendo-nos lembranças  de ações praticadas impensadamente no passado.

Parece ser um puxão de orelhas pelas nossas ingenuidades arremessadas na estrada do tempo.

No início da minha vida profissional, jovem médico, inexperiente, fui contratado pela Secretaria de Interior e Justiça do Estado do Rio Grande do Norte para trabalhar como médico clínico na Penitenciária Penal e Agrícola Dr. João Chaves — de agrícola nada!

Pouco tempo depois, passei a ocupar a função de Coordenador Médico dos Estabelecimentos Penais do Estado. Muito nome, muita patente, muita responsabilidade e dinheiro, oh! —,(aquele tantinho). Na brincadeira foram mais de doze anos.

Mantive sempre uma boa convivência com todos os Diretores, com colegas e com os chamados na época de apenados (os santos apenados).

No momento, começando a me estruturar socialmente, procurando dar o ponta pé inicial na vida profissional e conjugal.

Vez por outra, era procurado pelos justiçados que ofereciam seus serviços, como vigia, em obras de construção, tomar conta de sítio, até mesmo para aqueles serviços de suas legítimas especialidades, desde  que lhes tirassem do cativeiro prisional.

Depois de várias insistências e de me acobertar de boas informações da Direção do Presídio sobre o comportamento dos internos, resolvi fazer a experiência.

Parti para a ação; fui residir no bairro de Capim Macio; residência grande, recém construída, com primeiro andar; local ainda esquisito; um bairro residencial novo e pouco habitado.

Fui ao encontro de um dos pretendentes e tomei ciência da sua folha policial—“corrida”: conhecido como Cabo Zezo, cumpria pena por uso e comércio de droga maneira (maconha); afirmara que já se considerava um homem totalmente recuperado e pronto para enfrentar e servir de forma digna à sociedade.

Ex-policial militar, de bom porte físico, boa altura, ativo, barba fechada, bigode fino, fala mansa e grave.

Foi devidamente conversado e avisado do serviço de vigilância que iria fazer; recebera o instrumento do ofício e apresentado ao novo e fiel amigo: um cão pastor alemão (capa preta), de nome Ringo.

Serviço iniciado, tudo correndo as mil maravilhas, bem adaptado ao convívio com o animal. Satisfeito e sempre agradecido e jurando jamais voltar ao confinamento prisional.

Certo dia, final de noite, início da madrugada, escutei da minha suíte, no primeiro andar, o latido alto, insistente e bastante agressivo de Ringo. Acordado e assustado, abri a porta e fui até a sacada da suíte e gritei pelo Cabo Zezo, Cabo Zezo, e nada.

Percebi que tudo se passava no local de apoio à piscina.

Fui me aproximando e percebi que o animal latia alto e insistentemente para baixo como vendo  algo estranho no chão.

Calmamente fui descendo (protegido com meu cospe fogo ) e comecei a escutar um alto ronco que mais parecia um movimento de matança de porcos.  Continuava chamando pelo Cabo Zezo, Cabo Zezo e nada. Quando cheguei ao local, encontrei o “recuperado” maconheiro no sono profundo, de ronco solto e alarmante. Um cheiro ativo e estranho no ar, de dar tonturas e vertigens em tomadores crônicos do medicamento para labirintite( Vertix).

Depois de vários puxões, e muita dificuldade, consegui acordar o dorminhoco vigia, lógico, antes de desarmá-lo (no sono profundo).

No dia seguinte, comuniquei o ocorrido ao Diretor da Penitenciária, devolvendo o bem “recuperado” maconheiro e eficiente roncador, Cabo Zezo.

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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