O HOMEM E A BUTICA –

Sou do tempo que os carros não tinham ar-condicionado. Vivíamos com as janelas abertas. Cinto de segurança era só para enfeitar. Ainda não era lei. Não havia o hábito de por lixeirinhas nos carros e, pasmem!, havia cinzeiros nas portas. Sim, a geração anterior era repleta de fumantes, como meus pais. Casualmente vinha um pouco de cinzas para minhas roupas e constantemente havia fumaça nos meus pulmões. Era cultural! Parada no trabalho? Um café e um cigarro! Quem comprava o cigarro? Nós, as crianças. Não havia vigilância. Não era contra a lei. Nas caixas do cigarro Hollywood não tinha fotos de pulmões destruídos pelo câncer, mas sim de homens sobre as montanhas exalando saúde…

Então, nestes dias, indo para a faculdade fui surpreendida por uma cena inusitada.

Um carro ao meu lado, janela abaixada, fumaça saindo e, de repente, uma butica. A pontinha do cigarro vai no chão. Só faltou ele descer e pisar com a ponta do sapato o resto do fogo…

De primeira fiquei indignada, mas depois eu ri. Ri pensando em como aquela cena tinha tantas nuances inconsistentes com a atualidade ao mesmo tempo que exalava (literalmente!) semelhanças com o passado.

Um passado com 5 ou 6 crianças no banco de trás indo para a escola. Ou mesmo nas malas abertas das Belinas e Brasílias. Um passado com cintos de segurança de dois pontos que serviam de enfeite ou para matar os que se aventuravam a usá-los. Um passado onde porta-copo seria visionário, mas cinzeiro era item de primeira necessidade.

Que mundo engraçado esse onde as coisas mudam tanto e a gente só percebe quando algo tem cheiro de passado. Mesmo que seja cheiro de nicotina queimando…

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, autora de “O diário de uma gordinha” e Escritora

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