O Ministério Público Federal pediu que a Justiça Federal suspenda o licenciamento ambiental e a construção do Costeira Parque, projeto anunciado pelo governo do estado e com contrato de construção assinado no valor de R$ 16,7 milhões.

O pedido está dentro da ação civil pública que também pediu a suspensão e a posterior anulação de leis estaduais e municipais que permitem construções na Via Costeira em Natal. Segundo o órgão, as medidas reduziram a proteção das áreas de preservação no local.

A informação foi confirmada nesta sexta-feira (5) pelo procurador da República Camões Boaventura.

“O que que diz a legislação federal? Diz que intervenções nessa área, supressões de área de preservação permanente, só podem ocorrer em três situações: utilidade pública, interesse social e baixo impacto. No caso do Costeira Parque, é inequívoco que estamos diante de uma intervenção que atende ao interesse social. O problema é: foi verificado do ponto de vista técnico se é de baixo impacto? Até onde sabemos, não tem essa avaliação técnica, tendo em vista que a licença ambiental que o autorizou, é uma licença ambiental simplificada”, disse o procurador.

“A lei de gerenciamento costeiro exige um estudo de impacto ambiental, que é um documento muito mais robusto de de ordem multidisciplinar, que colhe dados em campo, busca informações e de forma técnica e exaurientemente diz se é ou não de baixo impacto. Uma licença ambiental simplificada não tem esse papel”, concluiu.

Procurado pela Inter TV, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema) informou que não se pronunciaria sobre a ação por ainda não ter sido notificado oficialmente.

Ação abrange leis municipais e estaduais

Segundo Ministério Público Federal, a ação visa garantir a proteção das áreas de preservação permanente da Via Costeira de Natal e de todo o ecossistema associado à região.

Segundo o órgão, leis aprovadas recentemente pela Câmara Municipal de Natal e pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte não seguiram a legislação federal vigente, como o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica

“O objetivo central é impedir que mudanças recentes nas leis e normas municipais e estaduais abram caminho para a ocupação desordenada, colocando em risco a integridade ambiental desse importante trecho da capital potiguar, e exigir a elaboração e a execução de um Plano de Proteção e Gestão Ambiental da Via Costeira de Natal”, informou o MPF.

 

A ação foi movida contra:

  • o município de Natal;
  • a Câmara Municipal de Natal;
  • a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte;
  • e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema/RN).

 

Para os procuradores da República Camões Boaventura e Victor Mariz, autores da ação, qualquer intervenção na Via Costeira deve ser analisada de forma cautelosa e sob os diversos aspectos, como ecológicos, sociais, culturais e econômicos. O MPF pede julgamento caráter de urgência.

“Essa urgência se justifica pelos danos ambientais que se avizinham, que são irreversíveis dada a importância, a relevância e a sensibilidade da área, e pela insegurança jurídica que se estabelece, que não favorece ninguém. A insegurança jurídica não é a intenção do MPF, pelo contrário. Nós estamos pedindo que seja reconhecida a segurança jurídica que a legislação estabelece, que é observando o código florestal e a lei de gerenciamento costeiro”, considerou o procurador Camões.

A Via Costeira abrange mais de 1,3 milhão de metros quadrados, com aproximadamente 9 km de extensão entre as praias de Ponta Negra e Areia Preta. Essa área é hoje ocupada parcialmente por hotéis e empreendimentos de turismo, porém ainda possui diversos terrenos sem construções.

O que é pedido na ação

Na ação civil pública, o MPF busca a suspensão imediata da íntegra ou de trechos das leis e da instrução normativa, por meio de decisão liminar.

Também solicita que a Justiça:

  • suspenda as licenças concedidas para a região pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) ou Idema após a entrada em vigor do novo Plano Diretor (7 de março de 2022), com exceção das que comprovem se enquadrar nas regras do Código Florestal;
  • seja proibida a emissão de novas licenças ou alvarás de construção que violem as regras das áreas de preservação ambiental;
  • e que os dois órgãos ambientais promovam a devida fiscalização da área.

 

Ao final do processo, o MPF pede a nulidade das normas e que os réus sejam obrigados a disciplinar o uso e a ocupação do solo.

Uma das cobranças do órgão é a formulação de um Plano de Proteção e Gestão Ambiental da Via Costeira de Natal, que deve abranger:

  • medidas de proteção e de recuperação das áreas de preservação permanente;
  • adaptação e mitigação dos efeitos da erosão;
  • que tenha participação social e consulta a especialistas em sua elaboração.

 

Ilegalidades

Para o MPF, os atos normativos aprovados nos últimos anos legislam sobre temas que não são de competência municipal ou estadualcontrariaram legislações federais já estabelecidas e tramitaram sem respeitar exigências legais.

Entre as normas contestadas estão a íntegra ou trechos do Plano Diretor de Natal e que alterou as regras para construções nas chamadas AEITP, nas quais se insere a Via Costeira de Natal.

A nova regra permite intervenções em terrenos atualmente vazios, localizados em áreas de preservação permanente e que, segundo o MPF, deveriam permanecer “não edificáveis” pela importância ecológica.

Riscos

De acordo com o MPF, estudos técnicos, incluindo laudos produzidos por especialistas do MPF e por peritos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atestam que a Via Costeira é formada por áreas de preservação permanente, compostas predominantemente por ecossistemas de restingas e dunas.

Essas formações contribuem no:

  • controle da erosão, atuando como barreiras naturais e reservatórios de sedimentos, protegendo a costa;
  • permitem a infiltração eficiente da água da chuva, recarregando os aquíferos subterrâneos;
  • e, especificamente a restinga, é um importante berçário de espécies marinhas e costeiras, favorecendo a diversidade da fauna e da flora.

Os estudos apontam que a ocupação intensiva, segundo o MPF, pode ampliar os processos erosivos, com o risco de danos irreversíveis e inestimáveis.

“O cenário é reforçado pela situação da vizinha praia de Ponta Negra, que pertence à mesma enseada da qual faz parte a Via Costeira, e onde a erosão já demandou a implantação de um aterro hidráulico (‘engorda’), a um custo superior a R$ 110 milhões”, informou o MPF.

 

De acordo com o MPF, dados registrados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) desse aterro hidráulico indicam que a erosão avança exatamente em direção à Via Costeira.

Outro ponto relevante diz respeito aos possíveis efeitos negativos relacionados ao Parque das Dunas, localizado vizinho à área, que é a maior reserva de mata atlântica sobre dunas do Brasil e segundo maior parque urbano do país.

Cenário crítico

O MPF apontou também que a intensificação dos eventos climáticos extremos e o aumento do nível do mar, amplamente documentados por estudos científicos, devem ser considerados na legislação que define os parâmetros de uso e ocupação do solo na Via Costeira.

“É fundamental priorizar a adaptação, mitigação e reversão das atividades impactantes, em vez de acelerar o uso desses espaços de maneira incompatível com os parâmetros constitucionais e legais, agravando o já crítico cenário atual”, diz trecho da ação.

A análise pericial aponta que a Via Costeira – além das infraestruturas que já existem em sua área – faz fronteira com os bairros de Areia Preta e Praia do Meio, o que aumenta as preocupações com riscos de desastres e segurança populacional, já que os territórios são especialmente suscetíveis aos processos erosivos e de movimento de massa.

Na ação, o órgão ressalta ainda a urgência da suspensão das leis, diante da possibilidade concreta de prejuízos difíceis ou mesmo impossíveis de reparar ao meio ambiente, à biodiversidade e à segurança da população.

Além do risco de desastres ambientais a partir das modificações produzidas na área, o MPF aponta que já se identifica a grande pressão imobiliária sobre a Via Costeira.

“Eventual demora na solução do caso pode causar prejuízo ao patrimônio público pelo elevado custo da reparação de danos ambientais e estruturais complexos e pelo desvio de recursos que poderiam ser aplicados em medidas preventivas”, citou o MPF.

O MPF indica também que o interesse público será onerado duplamente, já que as áreas desocupadas, que hoje funcionam ajudando a conter os danos decorrentes do avanço do mar, receberão edificações que atenderão a interesses estritamente privados, deixando de cumprir esse papel protetor. P

“Por consequência, para que as construções particulares não sucumbam ao avanço do mar, serão necessários novos gastos de recursos públicos – em obras de contenção ou mesmo mais uma engorda”, citou o MPF.

Histórico

A apuração do MPF foi iniciada a partir de representação encaminhada por mais de 20 organizações da sociedade civil, entre elas o Fórum Direito à Cidade, vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo e ao Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Coletivo Salve Natal e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU).

Em setembro de 2024, o MPF e o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) expediram uma recomendação conjunta para suspensão de novas autorizações ou licenças de construção até a conclusão de diagnósticos técnicos e ambientais na Via Costeira. No entanto, os gestores não acataram os pedidos.

“Pelo contrário, a prefeitura do Natal publicou, em outubro deste ano, a instrução normativa que flexibiliza ainda mais as regras de licenciamento para empreendimentos na região – seja de uso residencial ou comercial – e relativiza até mesmo o dever de garantir acesso público à praia, violando o interesse da população”, citou o MPF.

Em junho deste ano, o MPF e o MPRN realizaram uma audiência sobre o caso com ampla participação popular. A manifestação dos cidadãos foi no sentido de que a Via Costeira deve ser destinada ao interesse da coletividade, com prioridade para esporte, lazer, contemplação, preservação paisagística e ambiental, e não para novos grandes empreendimentos privados. A vista daquela área para o Morro do Careca, inclusive, foi lembrada como um símbolo essencial da identidade natalense.

Fonte: G1RN

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