JUSTIÇA: ENTRE VIEIRA, RUI BARBOSA, CALAMANDREI E O BRASIL DE HOJE –
Por – Raimundo Mendes Alves
A história nos ensina que a justiça não é apenas um conjunto de códigos e tribunais, mas antes de tudo uma construção ética. Três grandes nomes Padre Antônio Vieira, Rui Barbosa e Piero Calamandrei nos oferecem lições que, mesmo distantes no tempo e no espaço, continuam a dialogar diretamente com a realidade brasileira.
Padre Antônio Vieira: a Justiça como Mandato Divino
Vieira, em seus famosos sermões, denunciava as contradições de um mundo onde a lei servia muitas vezes como instrumento de opressão. Para ele, a justiça só era legítima quando alinhada ao mandamento maior da fé: a dignidade da pessoa humana.
Nas entrelinhas de seus sermões contra os “poderosos do mundo”, Vieira lembrava que tribunais podem ser templos ou covis – tudo depende de quem os habita e da honestidade de seus julgadores. Essa advertência, feita no século XVII, permanece atual: um sistema de justiça que se curva à força política ou econômica trai sua razão de existir.
Rui Barbosa: a Justiça Tardia é Injustiça
Séculos depois, Rui Barbosa cunhou uma frase que se tornou lema da cidadania: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”
Se Vieira denunciava a corrupção moral dos julgadores, Rui expôs o drama da ineficiência e da morosidade. O processo judicial que se arrasta por anos é, em si mesmo, um escárnio. No Brasil, quantas famílias não esperam décadas por um inventário? Quantos cidadãos não veem sua vida paralisada por recursos intermináveis? Rui, o “Águia de Haia”, lembrava que o tempo também pode ser cúmplice da injustiça.
Piero Calamandrei: a Justiça Como Esperança
Já no século XX, o jurista italiano Calamandrei trouxe outra dimensão: a justiça como um ato de fé social. Em seu clássico “Elogio dos Juízes”, afirmava que a confiança nos tribunais é tão vital quanto o ar que se respira. A sentença justa, para ele, é o último recurso dos fracos contra os fortes.
A advertência de Calamandrei ecoa no presente: quando o povo perde a fé na justiça, instala-se o terreno fértil para o autoritarismo e a violência. A descrença abre espaço para a vingança privada e para o sentimento de que a lei só funciona para alguns.
Padre Vieira, Rui Barbosa e Calamandrei formam um triângulo atemporal de advertências:
•Vieira lembra que justiça sem moralidade é tirania;
•Rui ensina que justiça sem celeridade é negação de justiça;
•Calamandrei alerta que justiça sem confiança é ruína da sociedade.
O Brasil contemporâneo, marcado por contradições, morosidade processual e crises de credibilidade no Judiciário, continua a ser um terreno fértil para que essas lições sejam revisitadas.
A pergunta que se impõe não é se temos tribunais ou juízes, mas se temos, de fato, justiça moral, célere e confiável. Sem ela, nenhuma democracia sobrevive.

Raimundo Mendes Alves – Advogado e vereador

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