FESTAS JUNINAS E RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO: CULTURA, ECONOMIA E COMPROMISSO SOCIAL –

O junho traz ao Nordeste o aroma do milho assado, a beleza das bandeirolas coloridas e o som inconfundível do tradicional forró. O São João é, sem dúvida, a principal manifestação cultural da região. Celebra a fé, a história, a identidade e a alegria de um povo forte. Mais que uma festa, é um patrimônio imaterial que atrai grandes multidões e impulsiona a economia de forma significativa.

Realmente, quando bem conduzido, o São João se transforma em um poderoso motor de crescimento local: os hotéis ficam cheios, o comércio informal aumenta, bares e restaurantes alcançam novos recordes de receita, artesãos e costureiras aumentam a produção de vestuário tradicional, e toda a cadeia cultural se mobiliza com vigor. Este é o aspecto positivo da festividade, um ciclo econômico que se autoalimenta, alicerçado no investimento público e no engajamento da população.

Entretanto, a expansão desorganizada e a excessiva espetacularização dos eventos geram uma discussão pertinente: qual é o limite entre a valorização cultural e os gastos imprudentes com os recursos públicos?

Em muitos municípios nordestinos, especialmente os de menor porte, neste período, observa-se uma mudança preocupante nas prioridades. Cidades que enfrentam problemas crônicos em saúde, educação e segurança, com baixos índices de desenvolvimento humano e infraestrutura deficiente, investem milhões em artistas nacionais — alguns sem conexão com a tradição junina — em vez de focar em políticas públicas fundamentais.

Não se trata de desmerecer a importância simbólica das festividades, nem de ignorar seus impactos econômicos favoráveis. O que se propõe é uma reflexão madura sobre o papel do gestor público nas demandas da comunidade. Administrar é saber priorizar. E, em tempos de limitações, a prioridade deve ser o bem-estar da população em vez do glamour do palco.

Simultaneamente, é crucial reconhecer que a diversidade de atrações durante eventos como o São João é válida e necessária. A variedade musical — que inclui forró pé de serra, pagode, axé e música eletrônica — atende diferentes públicos e enriquece a celebração. O problema não reside na diversidade, mas na desproporcionalidade dos investimentos e na falta de critérios objetivos e transparentes para a distribuição dos recursos.

Além disso, a contratação direta de artistas por meio de inexigibilidade de licitação tem sido alvo de questionamentos por parte de órgãos de controle, especialmente quando os valores divergem da realidade orçamentária das cidades. O Tribunal de Contas da União e os Tribunais de Contas Estaduais já emitir pareceres recomendando que a justificativa de notória especialização não sirva como justificativa para despesas impróprias.

A população possui o direito de desfrutar de lazer e ter acesso gratuito à cultura, isto é inegável. Contudo, ela também merece contar com um serviço de saúde que funcione adequadamente, uma escola que ofereça alimentação de qualidade e viver de maneira segura. Aqueles que estão no poder não devem promover a ideia de “pão e circo”, onde as festividades servem apenas para distrair e desviar a atenção do verdadeiro desenvolvimento social.

O êxito tanto do público quanto da crítica em relação às festas juninas não pode ser usado como justificativa para legitimar a desorganização financeira e o descaso com os serviços básicos. A felicidade da população deve ser comemorada, mas jamais utilizada como uma distração para ocultar a precariedade das estruturas.

Se o São João representa um investimento — e realmente pode ser —, que esse investimento seja claro, equilibrado e justo do ponto de vista social. Que ele valorize os artistas locais, valorize a cultura nordestina e, acima de tudo, esteja alinhado com a realidade dos cidadãos.

Não podemos esquecer que a celebração pertence ao povo. O dinheiro também é do povo.

 

 

 

 

Raimundo Mendes Alves – Advogado e Vereador

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