“EXISTÊNCIA AMORÁVEL” –
A sabedoria de Gilberto Gil, poeta e músico, nos legou o conceito de uma “existência amorável”. Que dádiva valiosa! Uma vivência que transcende os anos, medindo-se em afeto; que se valoriza não por bens materiais, mas por laços genuínos; e que ecoa em palavras de carinho, não em silêncios.
A jornada afetuosa, um apelo constante ao amor, toca a alma de maneira profunda. Ela capta o paradoxo que todos vivemos: a finitude da vida em contraste com a imensidão do que desejamos edificar, sentir e deixar. Essa percepção de que a existência é, também, um sopro e uma eternidade de experiências nos fascina. Um dia, uma semana, um ano parecem muito, mas num piscar de olhos tudo já passou. Nesse ínterim, o que realmente nos move, o que nos faz levantar e o que nos conforta é, sem dúvida, o amor.
Vivenciamos o paradoxo do “pouco e muito”: pouco tempo para amar, mas muito a ser amado; pouco tempo para construir, mas muito a ser construído; pouco tempo para deixar, mas muito a ser legado. O que nos impulsiona é essa necessidade visceral de benquerença e conexão, o desejo de que nossa passagem não seja em vão.
Ah, o amor! Essa força que nos sustenta, impulsiona e dá sentido. Paradoxalmente, é algo efêmero em sua manifestação, mas permanente em sua essência. O afeto que sentimos, recebemos e compartilhamos se entrelaça, moldando nosso legado.
O afeto diário não é um luxo, mas uma necessidade básica, como o ar que respiramos. É na empatia, no carinho e nos elos genuínos que encontramos o verdadeiro valor da nossa passagem. Isso é o que, no fim das contas, deixamos como lembrança e marca.
A urgência e beleza da vida se resumem na dualidade de pouco e muito a construir, viver, valorizar, dividir e deixar. Precisamos valorizar cada instante, pois o tempo é nosso bem mais precioso e, sincronicamente, o mais fugaz. A forma de tornar essa jornada significativa é através dos sentidos, aqueles pensados pelo poeta.
Tal existência, como ressaltou Gilberto Gil, vai além do amor romântico. É um afeto mais amplo: o amor pela caminhada, pelas pessoas, pela natureza. É algo manifestado em gentileza, palavras de encorajamento, partilha e profundo respeito. É como se a vida nos entregasse um presente precioso, mas frágil. E o que fazemos com ele é o que realmente importa. Se o guardamos com cuidado, compartilhamos com generosidade e cultivamos com ternura, ele florescerá e deixará marcas indeléveis.
Refletir sobre o título dessa crônica me leva a pensar na importância de coabitar com o coração aberto, buscando ligações verdadeiras e cultivando o nosso melhor em todas as suas formas. É isso, de fato, que dá sentido a tudo.
O que deixamos? O que fica são as lembranças, o eco de nossas risadas, a marca das nossas palavras, o calor dos nossos abraços. Deixamos o legado das nossas ações, a inspiração dos nossos sonhos, a prova de que habitamos uma existência amorável. No fim das contas, o que dá sentido à nossa jornada não são as posses ou os títulos, mas o amor que semeamos. É o que transforma um dia comum em um dia especial, uma vivência passageira em uma eternidade de lembranças.
Quando o sopro final vier, que ele nos encontre com o coração transbordando de afabilidade, com a alma serena e com a certeza de que valeu a pena revestir-se de uma existência amorável.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crô[email protected]
