EU E ELA –
Apenas nós duas. Ela está tão acostumada com a minha presença que sequer voa quando chego perto dela. Desconfio que ela está ali para, exclusivamente, fazer-me companhia. E tem uma coisa: ela desafia toda e qualquer teoria da conspiração contra elas. Sendo assim, prefiro ficar com as crenças populares, sobretudo, seu tempo de vida. Acho mais fascinante e desesperador. E tem mais: quem já viu essas criaturas à noite? Pois é, não é comum avistá-las nas madrugadas. Ou seja: precisamente às 02h18?
Porém, de repente, ela se foi, acho que eram seus últimos instantes. Será que ela tinha algo a me dizer? Esperem… acho que a vi aqui, ao lado do meu braço direto. Primeiro, ela estava ali, do lado esquerdo; agora, como num passe de mágica, ela ressurge do meu lado direito. Eita! Sumiu de novo.
Pergunto-me: será que seus 28 dias (isso se “ela” for macho) de vida se esgotaram? Lembrei de uma música que pergunta mais ou menos assim: – e se só lhe restasse um dia, o que você faria? Pensei logo nela e sobre o que ela teria feito nessas vinte quatro horas…
Ela ainda está lá, caminhando, sorrateira, calmamente, ao meu lado. Do lado direito. E sobre a mesa. Não para. Está sempre indo de lá para cá, daqui para lá. No que será que ela pensa ou espera? Observo que ela agora anda em círculos e, parece-me, está um pouco eufórica tentando um leve voo sobre meu copo. Desconfio que ela está tentada a tomar alguns goles da minha caipirinha. Mas, só de ruim, eu coloquei adoçante. E ela percebeu. Por isso não deu trela e se mandou.
Não estou vendo-a agora. Será que ela partiu de vez, para sempre? Qual lugar ela escolherá para ser seu último lar? Moscas tem lar (Eu tenho lar!?)? Ah! Lá está ela! E vai arriscar o seu último voo. Isso eu estou dizendo, porque estou vendo-a do lugar onde estou. Preciso dizer: é um voo acanhado, mas cheio de predestinação. Acredito que ela esteja cumprindo uma missão. Penso, em razão disso, qual será a minha. Será uma missão impossível à la Tom Cruise? Não sei. Sabe, talvez nem queira saber. Assim como ela, que vive apenas seguindo, vivendo e voando, até chegar o seu fim.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora
