ESTRANGEIROS –

Essa pandemia, tem tido efeitos devastadores para uns e, para outros, apresentado novidades interessantes.

Uma delas é desenvolver novas atitudes e aptidões que sequer sabíamos que tínhamos ou, pelo menos, que poderíamos desenvolver.

É o caso, por exemplo, de pessoas que começaram a desenvolver o faça você mesmo, outros desenvolveram suas aptidões musicais ou aprenderam a tocar algum instrumento, outros iniciaram o benéfico hábito da leitura, e por aí vai.

No meu caso específico, comecei a escrever sobre assuntos diversos.

Não que tenha com isso virado um grande escritor ou analista, apenas colocando minhas observações do cotidiano e outros assuntos no papel.

É obvio que isso fica sujeito a críticas dos mais versados, dos especialistas, mas pelo menos, em vários de meus textos, alguns já publicados, fica o chamamento à análise de algumas questões.

As publicações, quero crer, se deram mais, talvez pelo inusitado e pela complacência de seu editor, do que pela real capacidade de articular.

De qualquer forma isso veio a incentivar essa nova aptidão (será?) que aflorou.

Como a coisa é recente, agradeço a benevolência, tanto do corajoso editor que oportunizou alguns textos, como aos leitores que, acreditem ou não, leem o que escrevo.

E cá estou para mais uma aventura na escrita.

O título desse texto nos leva a pensar em pessoas de outros cantos do mundo que, ou nos visitam em viagens de turismo ou negócios, ou aqueles que aqui se instalam.

Vou ater-me àqueles que se instalam em nossa terra que, apesar de interagirem com os nativos, não criam, em sua maioria, vínculos próximos de amizade, juntando-se em grupos de mesma origem.

Excetuo aqueles que acabam por se casar ou viver junto com pessoas da terra e, por conta disso, acabam envolvendo-se mais com os locais sem, contudo, perder a maior proximidade de seu grupo de origem.

Criam sua vida, interagem com os da região mas, permanecem arraigados a seus pares, sendo comum assistirmos, mesmo num grupo misto, usarem a língua nativa entre eles ficando o pessoal da terra excluído dos eventuais comentários.

Mais interessante ainda, são aqueles ¨estrangeiros¨ brasileiros, aqueles que, em dado momento de sua vida, resolveram migrar para outro estado.

Mas isso não cabe ser chamado como tal, afinal são todos brasileiros, falam a mesma língua, residem no mesmo país, dirão os eventuais leitores desse texto.

Ledo engano, a língua no geral pode ser até a mesma, muito embora, as expressões demandam quase um dicionário.

A maior facilidade de nos relacionarmos na nova terra é bem maior e mais fácil, isso é indiscutível, mas alguns aspectos me chamaram a atenção.

Vemos que acabamos, num primeiro momento, por nos aproximarmos de pessoas de nossa região já há mais tempo enraizadas, ainda que por acaso, muito embora nem tanto acaso assim, ou de outros na mesma situação migratória.

Pessoas que já habitam no lugar há algum tempo acabam por nos introduzir nos grupos de que participam com as pessoas locais.

Isso vejo ocorrer com frequência, e, a partir daí, cabe ao recém apresentado interagir e ser aceito pelos outros ou não.

O início é sempre difícil, apesar de ser Natal uma cidade muito hospitaleira e, no meu caso, fui muito bem recebido.

  Ainda bem que sempre encontramos gente da região, dentro desse novo ambiente, que nos ampara e facilitam nossa aproximação.

Pelo convívio mais intenso acabamos por adquirir certo respeito e alguma admiração. Esse convívio acaba nos levando, através das nossas novas relações, a conhecer outros grupos, maiores ou menores, e assim vamos nos entrosando com o pessoal e os hábitos da terra.

Claro que estou falando daqueles que vieram para longo período de vivência.

Para quem veio de uma grande metrópole como eu, sentimo-nos como numa cidade média de nossa região.

Em Natal, cidade que, graças a Deus ainda é meio provinciana, os da terra quase todos se conhecem, o que, para os forasteiros ou estrangeiros do Brasil, chega a ser quase uma novidade, se vindos de uma grande metrópole.

Acabamos por nos sentirmos mais próximos, quase mais íntimos, mais amparados do que em nossa própria origem, onde a distância entre pessoas é mais nítida.

Acabamos aceitos por muitos, entrosamo-nos com a vida da cidade e, em meu e outros tantos casos, participando de atividades que envolvem o poder público e pessoas reconhecidas da cidade que, em alguns casos, nos une ainda mais com os nativos e com a cidade.

 No dia a dia, não só comigo, mas também com aqueles que convivo e aqui aportaram de longa data, acontecem certas situações que nos deixam meio desorientados quanto ao que acabei de colocar acima, a tal proximidade.

Em sendo uma cidade provinciana, quase todos se conhecem, estudaram juntos, um casou com a prima de outro amigo, ou seja, a história de quase todos é conhecida e, de alguma forma, interligada.

Entre os aportados por aqui isso não ocorre, a menos que tenham vindo há muito tempo e convivido ou na época do colégio, ou faculdade, ou ainda tenham um vínculo profissional de longa data. Mais comum entre os médicos e outras áreas voltadas à saúde.

Nesse caso o convívio é muito estreito. E difere totalmente dos que, mesmo estando há mais de 15 anos, não tenham participado dessas etapas que são as que mais aproximam as pessoas.

É muito comum, estando entre pessoas com as quais sempre convivemos, especialmente nas confrarias, nos bares, onde o papo corre solto, num dado momento alguém é citado, pronto, a partir desse instante nós, estrangeiros, ficamos alheios por completo da conversa.

Explico-me melhor, vem toda a história da pessoa, das famílias, cônjuges, cada qual comenta uma coisa, que por sua vez puxa outra e assim nós ficamos apenas como ouvintes sequer tendo uma palavra a dizer. Aproveitando para conhecer um pouco mais de cada um.

É nesse momento que percebemos certa distância entre os locais e os estrangeiros.

Outra situação é a convivência na casa das pessoas, seja para um churrasco, seja para um aperitivo e papo, ou outro evento qualquer.

Via de regra, o evento, reunião, pic-nic, ou seja lá o que for, já foi previamente combinado e, alguns até chamados a participar exatamente na hora em que estamos juntos e ficamos por aí, meio que esquecidos.

Aquela coisa de: o que acha de almoçar em casa ou jantar?  Ou até mesmo um whisky.

 Coisa raríssima.

Mais comum os amigos do dia a dia se encontrarem em algum restaurante, em um grupo maior ou menor.

Reuniões mais sociais, das quais participamos, podem até envolver familiares, mas quase sempre em um clube, evento social de algum lugar ou coisas do tipo.

É nessa hora que percebemos que somos estrangeiros que apenas não necessitam de passaporte!

Em algumas situações em que, se precisa de uma ajuda, de um amparo, de um ombro, de um ouvinte ou orientação percebem os estrangeiros, exceto raríssimas exceções, que estão à própria sorte.

Claro que existem exceções, mas no geral é assim que a coisa acontece, tenho ouvidos muitos relatos sobre isso.

Em nenhum momento isso é uma crítica à cidade ou pessoas, apenas a constatação de fatos.

Aqueles que trabalham juntos, ainda que sejam de fora, terminam por ter maior proximidade de seus pares. O convívio diário num mesma empresa ou repartição é determinante para isso.

Percebemos que nem sempre somos lembrados, afinal não fazemos parte da dos primórdios da vida dos novos amigos, estamos construindo uma parte dela, isso leva tempo e, não é de repente que a coisa acontece, tem toda uma trajetória a ser percorrida.

Aos estrangeiros, como eu, sempre digo: não se sintam simplesmente excluídos, percebam que em vários momentos você é parte importante dos acontecimentos, em outros, a ponte de ligação ainda está em construção.

Talvez nunca tenhamos a mesma ligação daqueles que conviveram por toda uma vida, mas com certeza quase absoluta, criaremos novos vínculos de muita intensidade.

O preterimento que tenhamos eventualmente sofrido, serão apenas fatos passados de uma nova história que estamos construindo, agora junto com os atores da terra e, mais ainda, estaremos muito mais ao lado daqueles que hoje nos parecem mais distantes.

O recomeço em qualquer lugar é sempre um desafio, barreiras que aparentemente são intransponíveis serão derrubadas, expectativas serão superadas e, ao longo do tempo, teremos conquistado, socialmente, muito mais do que esperávamos.

Seremos sempre estrangeiros, talvez naturalizados com o direito à cidadania.

 

 

 

 

Roberto Goyano – Engenheiro

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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