ESSES MEUS CABELOS BRANCOS… – 

Estava lendo, hoje pela manhã, o texto Um encontro com Rizolete Fernandes, da cronista Andreia Braz, publicado no Portal do Potiguar Notícias (www.potiguarnoticias.com.br). Um trecho, em particular, chamou-me à atenção, era o que falava sobre “cabelos brancos (e da pressão social sofrida pelas mulheres para mantê-los tingidos), velhice e qualidade de vida”. O meu primeiro pensamento foi: Por quanto tempo milhares/milhões de mulheres foram e são escravas da ditadura da beleza, que impõe à mulher a obrigação de tingir seus cabelos para não parecer desleixada, velha e fora de moda?

Cortes e cores mudam a cada estação, o que, não por acaso, acaba por trazer muito sofrimento para aquelas mais “antenadas e descoladas”, querendo a todo custo se manter no ciclo vicioso da moda. Afinal, o embranquecimento e os grisalhos dos cabelos por muito tempo fui algo natural e quase que exclusivo dos homens de meia idade que, por sinal, remetia ao amadurecimento e charme, dando um certo glamour aos homens dessa faixa de idade, deixando-os com ar sexy. A mulher tinha a “obrigação” de se manter aparentemente jovem, e as colorações serviam para isso, para deixá-las dentro dos padrões, das caixinhas de belezas fabricadas.

Vejo até hoje pessoas lindas, do meu convívio, sofrendo doloridamente quando os brancos começam a aparecer nas raízes dos seus cabelos, ameaçando o breve reinado da falsa juventude, que deve durar em torno de 20 dias. Isso mesmo, a cada 20 dias o ritual (ciclo) se renova. Elas continuam presas a certos padrões que foram impostos sem nosso consentimento, mas que ainda ditam regras nas vidas de muitas mulheres.

Estamos vendo um novo cenário se formando, antes mais acanhado, agora, com a pandemia, num movimento bem mais acelerado de libertação feminina, com muitas mulheres aderindo aos cabelos brancos. Temos diversos exemplos de famosas que, durante a pandemia, decidiram assumir seus brancos, seus registros de vida.

Tenho amigas escritoras que bem antes da pandemia já haviam se libertado dos tingimentos, luzes, reflexos nas madeixas. Elas quebraram as algemas que as prendiam com os pincéis, tubos de tintas e descolorantes, isso sem falar dos dias intermináveis nos salões de beleza, entre puxões de cabelos, cheiro forte da amônia, água oxigenada e outros produtos químicos usados para se atingir o efeito desejado. Elas ousaram mostrar à sociedade que podiam ser lindas com seus cabelos pratas, grisalhos, brancos, lilases. Elas não se cansam de dizer o quanto são felizes por terem conseguido vencer o preconceito e os olhares inquisidores. Hoje elas são referências e influenciam outras mulheres a assumirem seus cabelos naturais.

Eu as admiro demais e acho maravilhoso todo esse processo de libertação feminina. No entanto, a minha história com as tinturas está na contramão de tudo isso que relatei, porém, fala também sobre o meu processo de libertação com relação aos meus cabelos. Desde muito nova sempre achei lindas as mechas loiras, pelo processo químico de luzes, que minha irmã mais velha fazia em seus cabelos. Lembro que achava deslumbrante e confesso que sempre desejei ter cabelos como os dela.

Eu nasci com cabelos castanhos escuros. Quando pequena, devido ao cabelo liso, escuro e olhos levemente puxados, era chamada de gueixa por minha tia mais velha, que não cansava de me elogiar por minha aparência exótica. A adolescência chegou e com ela o discurso interminável e diário, da mesma tia, dizendo-me que eu nunca cometesse a loucura de pintar meus cabelos, pois eu não combinava com o loiro e iria ficar horrorosa (ela falava assim mesmo, sem tirar nem pôr).

Por longos anos aquilo ficou martelando em minha mente, era como um disco arranhado, repetindo incessantemente que se eu ousasse pintar meus cabelos de loiro eu ficaria horrorosa. Se não bastasse o disco arranhado, tinha também um marido (agora ex) avesso ao fato de eu querer clarear meus cabelos. Quase aos quarenta, já vivendo internamente o meu processo de libertação pessoal, decidi que precisaria me despir do preconceito que haviam me incutido e, assim, seguir com o meu projeto de mudança, que deveria ir além do interno, já que eu precisaria ousar, vencer minhas frustrações e tratar da minha beleza externa, tal qual eu desejava.

Nem sei dizer como saí do salão de beleza, pois eu flutuava. Não tinha um vidro ou janela, no caminho de volta para casa, que eu não parasse para admirar minhas madeixas loiras, tom champanhe. Eu me senti linda! Depois desse dia eu nunca mais deixei de fazer as mechas que são mescladas com os tons naturais do castanho, num misto de cores e nuances que me enchem os olhos e me dão imenso prazer. Eu havia recuperado um pouco mais da minha autoestima.

Se para umas a liberdade feminina é se livrar da ditadura das tintas, para mim a liberdade é pintar meus cabelos nas cores que me der na telha. Por isso, por hora estou muito feliz com minhas mechas champanhe, elas me embriagam com o prazer de tê-las. Creio que ser livre é ser quem desejamos ser, com ou sem pinturas, já que a questão não está em abolir as tintas e, sim, ter a liberdade de usá-las ou não. Ruivo, loiro, preto, branco, azul, lilás… a cor não importa, o que realmente importa é que não sejamos sujeitas às imposições; que não nos tire o direito de escolha sob pena de sermos julgadas ou diminuídas.

“Por que tanta preocupação com minha aparência? Onde ficou o feminismo? Porque me dá prazer. Gosto de tecidos, cores, maquiagem e da rotina de me arrumar toda manhã… Ninguém me vê, mas eu me vejo… É à minha maneira de desafiar a decrepitude” (Trecho do livro Mulheres de Minha Alma, de Isabel Allende-pág.53).

Ah, esses meus cabelos loiros!

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]

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