ELA ESTÁ AÍ? –

Ela está aí? Eu, não sei como, perdi-a de vista. Ainda há pouco ela estava aqui, em minha janela, a me espiar. Interessante perceber que ela não me olhava de soslaio, como das outras vezes; na verdade, ela me encarava com um brilho exageradamente forte que me fez cegar, no justo momento, quando a encarei frente a frente.

Fui atraída e ofuscada, devo confessar, pela sua beleza e esplendor. Não consegui manter meus olhos fixos nela e, por isso mesmo, desviei o olhar para tentar me acostumar, e espantar, com o clarão que se criara na retina de meus olhos. Formara-se, pois, uma pasta esbranquiçada sobre minha visão e que, neste momento, senti a garganta dessecada, a língua pesada e, quase de imediato, notei o franzido inevitável da testa aloprando ainda mais as minhas marcas de expressões. Desta vez, formaram-se profundos sulcos sobre minha face, equiparados as terras aradas à espera das sementes para germinar.

O que exatamente aquela velha amiga queria que eu germinasse em meus pensamentos? O que a levara a agir impetuosamente comigo? Seria algum tipo de psicologia reversa, um tipo de choque para que eu despertasse de algum transe e, assim, recuperasse minha sanidade e entendesse, de uma vez por todas, a necessidade de enxergar ao longe rompendo a miopia dos sonhos que não podem ser sonhados?

Só sei de uma coisa: quando me recuperei da cegueira momentânea, que sofri por alguns minutos, voltei meus olhos para a janela e percebi que ela não estava mais lá, havia saído de fininho e, talvez por esse motivo, procurei entender o que ela tinha me roubado, para sair tão sorrateiramente. Pensei então um pouco mais e senti falta daquelas noites enluaradas quando ela se escorava na janela e, cheia de planos e ideais, fazia serenata até o dia amanhecer, embalando meus devaneios, fazendo-me companhia.

Naquelas madrugadas infinitas, ela me contava segredos dos amantes, sobre saudade, solidão e ausências. Também falava de amor e cumplicidade. Dos temas recorrentes não faltavam angústia, dor, incertezas e muitas recordações, boas e ruins.  Ela também me arrancava confidências e lágrimas. Em sua companhia, revisitávamos às lembranças, os sonhos e desejos, que por tantas noites nos mantinham acordadas.

Hoje ela está imponente, abusada e mais atraente. Assim, lindamente, a “superlua” deve ter ido prosear em outras janelas, para coscuvilhar a vida de tantas outras que, como eu, por acaso do destino, estejam precisando da sua luz, do seu brilho e dos seus silenciosos conselhos. Vou pastorar um pouco mais, para ver se ela dá o ar da sua graça por aqui de novo e, se Deus quiser, isso aconteça antes que o dia amanheça, lógico. Sabe por que? Porque quero lhe contar algumas novidades, mesmo que não sejam assim nenhuma “Brastemp”, mas, em se tratando de uma míope de nascença já é o início de um novo olhar, que ainda está meio encandeado com o foco, só que bem mais límpido.

Como cantava o poeta Raul Seixas “quem não tem colírio usa óculos escuros… Quem não tem visão bate a cara contra o muro”.

 

 

 

 

 

Flávia Arruda –  Pedagoga e escritora, autora do livro “As esquinas da minha existência”, [email protected]

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