DE SILÊNCIO E FÚRIA –
O anfiteatro apinhado de apreciadores de boas disputas. O caldeirão de almas retardatárias ocupando, competindo com pressa, os últimos lugares disponíveis. O Imperador e seu séquito, os esportistas, os escroques, os apostadores, os batedores de carteiras, toda a plebe ignara buscando diversão. Barulho, grito, movimento, muita gente apertada a bater com os pés no chão para que o espetáculo começasse logo. Assobios partiam das gerais quando do alto da galeria, ávida de sangue, se via um gladiador que saía para olhar ligeiramente, parece, a altura do sol.
Do lado de fora os vendedores de ingressos. Os portais eram numerados. Ora, se numeravam os portais, deveriam vender entradas correspondentes a tais números. Evidências apontavam a necessidade de seguranças e vaga-lumes. Provavelmente, empregos político. Talvez até existissem programas de esclarecimento aos mais abastados. Do contrário como fariam apostas com um mínimo de lógica? À venda, talvez, pequenas estatuetas de barro com imagem dos deuses pra dar sorte. Não se conceberia, também, uma multidão que numa competição esportiva não morresse de fome e sede. Água e frutas à venda? Quais seriam os equivalentes dos cachorros quentes, dos espetinhos de carne de gato, do amendoim, da pipoca, da cerveja?
E que dizer dos concessionários das vendas? Conhecidos se visitariam pra fazerem apostas? Poder-se-ia imaginar os camarins lá em baixo e os conselhos dados aos gladiadores nos últimos instantes que antecediam as lutas. Eles arremetendo contra a própria sombra a espada o escudo, a rede, o tridente, a lança, para se aquecerem como fazem, até hoje, os boxeadores soltando a respiração pelo nariz enquanto soqueiam o ar.
Claro, tudo deveria ser preparado em detalhes. Escravos delimitadores das áreas de combate. Areia bastante pra cobrir o sangue nos intervalos. Liteiras para transportar os mortos.
Desconhecem-se crônicas de época. Mas se existiram não seriam muito diferentes das hoje feitas sobre as arenas modernas onde acontecem os grandes jogos que empolgam o mundo. O pensamento a me perseguir, saí de lá quase escurecendo. No céu uma lua corcunda fitava atenta a todos. Não mais as feras e os mártires cristãos. Os gatos que, dizem , pululam por lá, não os vi ou ouvi. Só o silêncio sepulcral do Coliseu eclipsado por um trânsito ensurdecedor em sua volta. E a azáfama do final de cada dia da Roma moderna. Mas o que representariam, afinal, dois mil anos de diferença? Quase nada. Os humanos são, e sempre serão, os mesmos.
José Delfino – Médico, poeta e músico
