A CRISE NO SISTEMA PRISIONAL DO RN (II) –
Nos últimos 20 anos a população brasileira aumentou em 30% e a população carcerária aumentou 400%. Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o Brasil conta com quase 700 mil presos. Desse total, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios, que aguardam o julgamento de seus processos. O Rio Grande do Norte retrata essa mesma realidade. E o pior, há uma lógica errada que tem sido repetida por quase todos os governantes do nosso país: a construção de cadeiões, em vez da preferência por presídios regionais e cadeias públicas. Vez por outra se anuncia a ampliação do presídio de Alcaçuz, como se fosse um avanço. E a própria imprensa embarca nesse equívoco e destaca o número de vagas disponíveis.
Ora, é a repetição do que ocorreu com a antiga Penitenciária João Chaves: de ampliação em ampliação transformou-se no conhecido “caldeirão do diabo”. Os cadeiões rimam com rebeliões. De proporções incontroláveis. Nos presídios menores tudo fica mais fácil de ser contido, administrado, controlado. Será que ninguém vê isso?
A Lei de Execução Penal (LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984), no seu Capítulo VII, é clara: Art. 102. A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios. Art. 103. Cada Comarca terá pelo menos 01 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar. Uma cadeia dessas pode ser construída em apenas quatro meses.
No Rio Grande do Norte existem 66 comarcas e apenas 04 Cadeias Públicas (Natal-Mossoró-Caraúbas-Nova Cruz). Alguma coisa está errada. A Lei Complementar 165, de 28 de abril de 1999, no seu artigo 7o, determina que para a criação de Comarca, dentre outros critérios, tem que comprovar a existência de Cadeia Pública. Os CDPs-Centros de Detenção Provisória deveriam ser fechados. É uma excrescência. Encontramos esse tipo de equipamento em outros estados, mas são prédios construídos para essa finalidade, seguindo o padrão arquitetônico e de segurança dos presídios federais, diferentemente do que ocorreu aqui, onde foram feitas adaptações em antigas delegacias, gambiarras sem a menor estrutura.
Sempre defendi a descentralização do sistema prisional. Vejamos a experiência de São Paulo. Era comum vermos nos noticiários nacionais as rebeliões que aconteciam na Febem, de proporções descomunais. A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA), instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, substituta da antiga Febem, responsável pela aplicação das medidas socioeducativas aos jovens de 12 a 21 anos incompletos, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), resolveu apostar na descentralização.
O processo iniciado em 2005, dentro de pouco tempo já mostrou resultados bastante significativos: Em 2006, na época da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor de São Paulo (Febem/SP), 29% dos jovens em internação reincidiam. Em 2015, a taxa estava em torno de 15%. As rebeliões caíram de 80 ocorrências em 2003 para apenas uma, em 2009. Ente 2005 e 2015 foram criados 72 pequenos centros socioeducativos em todo o estado, principalmente no interior e no litoral. Do total, 61 tem capacidade para atender até 56 adolescentes (64 na capacidade estendida), sendo parte deles geridos em parceria com organizações da sociedade civil dos municípios onde foram implantadas.
É conhecida a reação dos prefeitos e da população quando toma conhecimento que um presídio vai ser construído nos seus municípios. Diferentemente de algumas cidades onde os presidiários representam uma força de trabalho significativa para o desenvolvimento da região.
A revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios destaca as vantagens do empresário ao utilizar essa mão de obra, sem encargos trabalhistas. Como o trabalho do preso não está sujeito ao regime da CLT, o empresário fica isento de encargos como férias, 13o, INSS e FGTS. Dependendo do piso salarial, a redução nos custos da mão de obra pode chegar a 50%. O efeito social: O trabalho dos detentos também é uma ação de responsabilidade social. Ajuda na ressocialização assim como na redução da pena – a cada três dias de trabalho o detento tem um a menos de pena a cumprir. Custo de produção: Em alguns estados, como no Espírito Santo, não é cobrada nenhuma taxa para o uso do espaço e da estrutura do presídio (água, luz, alimentação). Comprometimento: O comprometimento dos presos com o trabalho costuma ser grande. Os empresários afirmam que, muitas vezes, os melhores funcionários que tem são os próprios detentos.
Num artigo escrito por Marcelo Pelletierina, publicado na Revista Carta Capital de 08/10/2015, sob o título “Uma saída para o caos carcerário”, a prefeita reeleita da cidade catarinense de São Cristóvão do Sul e presidente da Federação Catarinense dos Municípios – Fecam, Sissi Blind, fala do modelo implantado na penitenciária de Curitibanos, localizada naquele município, onde todos os presos têm oportunidade de trabalhar e estudar, resultado de parcerias firmadas com o comércio e a indústria: “A instalação dessas empresas é uma tendência e os municípios têm muito a ganhar, tanto do ponto de vista econômico como social. Os presídios estão deixando de ser depósitos de gente para se tornar um agregador de riqueza para a sociedade”. Atualmente, 57% dos presos catarinenses trabalham, informa o Governo Estadual. A meta é chegar a 80% até 2017.
Em Santa Catarina, as parcerias começaram em 2010, com cerca de 30 empresas. Hoje são quase 300 convênios com companhias e prefeituras que utilizam a mão de obra prisional. Estudos mostram que trabalhar ou estudar na prisão diminui as chances de reincidência em até 40%. No Brasil, a (alta) taxa de reincidência criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa).
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, bem como socorrer a vítima e proteger a sociedade. A primeira APAC nasceu em São José dos Campos (SP) em 1972 e foi idealizada pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni e um grupo de amigos cristãos. Uma das principais vantagens do sistema é a baixa taxa de reincidência dos detentos no crime – entre 8% e 15%, segundo o CNJ. Nos presídios comuns ela pode chegar a 70%, de acordo com a entidade. Num artigo intitulado: APAC: Um Modelo de Humanização do Sistema Penitenciário, a advogada mineira e professora de Direito Penal, Ana Paula Faria, destaca a importância desse método. O objetivo da APAC é gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Sua finalidade é evitar a reincidência no crime e proporcionar condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social.
O método socializador da APAC espalhou-se por todo o território nacional (aproximadamente 100 unidades em todo o Brasil) e no exterior. Já foram implantadas APACs na Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra e País de Gales, Latvia, México, Moldovia, Nova Zelândia e Noruega. O modelo Apaqueano foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar a execução penal e o tratamento penitenciário. Dados estatísticos: o custo de cada preso para o Estado corresponde a quatro salários-mínimos enquanto na APAC a um salário e meio; o índice nacional de pessoas que voltam a praticar crimes é, aproximadamente, de 85% e na APAC corresponde a 8,62%.
Nas inúmeras entrevistas que concedi, quando abordamos aspectos de uma política integral do sistema, com começo, meio e fim, os jornalistas sempre perguntam? E agora, neste momento, o que fazer? Este é o grande problema. Diante das sucessivas crises, busca-se saídas espasmódicas e ineficazes. Como disse o professor da UFRN Edmilson Lopes, estudioso do assunto, no Bom Dia RN da Intertv, no dia 24 de janeiro, “estamos colocando band-aid num tumor muito grave”.
A origem desse colapso reside na falta de uma política que estabeleça ações de curto, médio e longo prazo e a mudança na lógica de encarar o sistema prisional. Sugestões: Presídios menores e cadeias públicas; classificação dos presos conforme o delito praticado; fortalecimento da Defensoria Pública; parceria com as universidades para o mutirão carcerário; redução do número de presos provisórios, num esforço concentrado do judiciário; parceria com o comércio, indústria e prefeituras para a absorção de mão de obra prisional, interna ou externamente; programas de alfabetização e qualificação de pessoal; aumento do número de agentes penitenciários; parcerias com as prefeituras e instituições civis para instalação de APACs.
Não vejo saída para o dantesco problema a curto prazo e as soluções são inadiáveis. Passados os motins, tudo volta a ser como antes, como se nada tivesse acontecido. Apesar de tudo, repetirei Ariano Suassuna: “o otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.
Heráclito Noé – Delegado de Polícia, classe Especial, aposentado, escritor e professor de Direito Penal
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